"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)
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domingo, 1 de julho de 2012

PROJEÇÃO, A Criatura do abismo.



Usadas com o objetivo de mascarar defeitos que pertencem a elas mesmas, algumas pessoas recorrem às projeções para se protegerem. 

Todos nós já sofremos injustiças e não estaremos livres delas. É o tipo de coisa que não podemos controlar, pois isso não depende de nós e sim, do outros. As injustiças mais comuns são aquelas onde o sujeito projeta a falha dele em nós.

As projeções são um mecanismo de autodefesa. Não, eu não virei pseudo-intelectual e não vou citar Nietzsche ou Schopenhauer. Todas as pessoas poderiam compreender isso perfeitamente se elas não tivessem dormido ou conversado durante as aulas de Psicologia no Ensino Médio. E embora essas projeções sejam muito comuns nas pessoas, não são todas que se dão conta de quando estão lidando com uma.

A projeção dos defeitos é a mais comum. Se você é uma pessoa pouco talentosa e que não confia em si mesma, é comum você projetar os seus defeitos em pessoas que são talentosas e autoconfiantes. Você pode tentar tirar o brilho da outra insinuando que ela é egoísta, invejosa, irresponsável, entre outros, mas na verdade quem é isso é você! O seu ego não permite que você admita que você poderia melhorar e que tem gente melhor do que você.

Outra projeção muito comum é a de criticar coisas que você gosta e faz escondido ou então adoraria fazer, mas morre de medo que os outros descubram que você faz ou gostaria. Por exemplo, imagine que você traia o seu cônjuge de vez em quando. Para ninguém desconfie disso, você defende severamente a fidelidade e faz críticas ferozes a uma pessoa cuja traição foi descoberta.

Projetar as frustrações e desejos não-realizados também é comum nos poucos pais que realmente se preocupam com o futuro dos seus filhos. Isso acontece quando eles querem viver a vida dos filhos, pois na idade deles, estavam impossibilitados de certas coisas. Em casos assim, eles podem sobrecarregar os filhos com atividades que agradam somente a eles e privar os filhos de certas experiências que eles não tiveram coragem de levar adiante.

O objetivo das pessoas em projetar os seus defeitos ou frustrações nos outros é o de esconder uma verdade sobre si mesmo. De tanto você criticar esse seu defeito e projetá-lo nos outros, você acaba esperando que as pessoas não desconfiem que esse defeito ou frustração é, na verdade, seu. Por causa disto, as projeções são consideradas um “mecanismo de autodefesa”.

Quando uma pessoa projeta um defeito dela e você e isso não te prejudica, isso não é tão mal. É claro que não é muito agradável ser acusado de algo que quem está falando é, mas nesses casos é melhor deixar a pessoa extravasar a sua “superioridade”. O problema é quando essa projeção prejudica você. Nesses casos, é importante que você faça algo que pode ser resolvido em uma conversa aberta e adulta ou afastando-se definitivamente.


Postado por Welber Marinho 
em: Filmes, livros & Psicologia

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Psicologia é uma "ciência" exata

Entendo ciência no sentido de conjunto organizado de conhecimentos. Apesar dos acadêmicos tentarem fazer da psicologia uma ciência do âmbito das ciências naturais, não é do perfil da psicologia oferecer respostas como a biologia ou a física fazem. Pesquisas e estatísticas psicológica oferecem conhecimentos, mas até que ponto?




Ao querer compreender uma reação emocional, um sentimento que perturba, uma sensação angustiante, um pensamento fixo, é necessário "descer" ao detalhe com precisão matemática para que o problema seja compreendido e assim também resolvido. A tomada de consciência que, como por um clic, muda a perspectiva e mostra o caminho, é um processo que está baseado não em discursos genéricos, mas em uma visão acurada e até microscópica.

Percebo, muitas vezes, que isso não é de conhecimento comum. Quando as pessoas buscam entender o que lhes acontece, elas se contentam com uma visão geral, que lhes esclarece o sentido geral de seu problema, mas que de fato não o resolve. Acusa-se a psicologia de ser vaga, e corretamente. Mas isso porque o que está se fazendo não é

psicologia "individualizada". É como quando se quer compreender o aceleramento cardíaco e suas consequências. Entretanto, esse conhecimento geral não explica por que você está tendo esse problema, por exemplo quando sequer está em movimento. O que acontece no indivíduo somente uma análise individualizada pode identificar.



O mesmo ocorre em psicologia. O que é na psicologia de um é normal, pode ser absurdo para o outro (veja-se a psicologia junguiana dos tipos). O que vale em geral pode não valer e aliás ser prejudicial para uns e outros. As estatísticas em psicologia fornecem informações que arriscam levar fora do caminho o entendimento do comportamento individual. Isso porque ao criar uma compreensão padrão nos tornamos cegos para o particular, extende-se um tapete uniformizante e mata-se a individualidade. Cuidado, portanto, com o fast-food psicológico.



Muitas vezes me pedem "dicas", que frequentemente não posso dar. Para algumas situações mais simples tenho "dicas", mas na maior parte das vezes, seria irresponsável dar respostas sem ter um conhecimento suficiente da situação. Dicas em psicologia são válidas quando são genéricas, assim como as dicas em saúde. É importante comer fibras, beber dois litros de água por dia, evitar frituras, comer bastante verduras e fazer exercício. Da mesma forma, em psicologia há boas dicas para pais, filhos, no trabalho, na relação, em casa e na rua.


Adriana Tanese Nogueira



Agora, não é pela dica que vai-se compreender uma situação específica. Esta estará esclarecida quando a pessoa chegar a identificar o que exatemente acontece, como exatamente ela está envolvida na situação, quais sentimentos e emoções exatos afloram, em qual momento exato, o que exatemente acontecia antes e depois, dentro e fora, e assim em diante. Aliás, se tem uma dica que posso dar em psicologia é essa: aprendamos a ser precisos, a afinar a visão para enxergar com clareza os detalhes do que queremos entender. Sem isso, é conversa boa mas estéril.



A psicologia é uma produção de conhecimento que é efetivo na medida em que é exato. Se não não serve. Obviamente, porém, é preciso dar tempo. Se as dicas psicológicas são o fast-food da psicologia, a análise apurada é a bateria de exames que requer investimento e dedicação.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Simbiose no casamento


Adriana Tanese Nogueira
 
 
A simbiose é um conceito que pertence à biologia, e denota a associação entre dois seres que beneficia a ambos; melhor, ambos seres precisam de tal associação para continuarem vivos e produtivos. Já dá para entender como esse conceito é transportado para as relações de casal: os dois não conseguem viver um sem o outro.





Vamos começar fazendo algumas distinções. Toda relação se constrói a partir de uma "troca" que pode parecer e, muitas vezes, é simbiótica: pais e filhos, amigos, casais e até empresas, grupos e assim em diante. Se estamos num relacionamento é porque ele nos dá algo de importante. Que esse "algo" nem sempre seja saudável são outros quinhentos. Para o sistema mental da pessoa, para seus hábitos, medos e limites, a vantagem se apresenta de alguma forma como superior aos riscos que uma possível mudança traria.

Na relação entre pais e filhos, onde aparentemente, os filhos são os que ganham mais, é bom lembrar do espaço gigantesco que estes ocupam na vida e no coração de seus pais. Além de responsabilidades e problemas, crianças oportunizam adultos que, talvez nunca teriam essa chance, de se sentirem importantes, de estar "acima" de alguém - se amor e crescimento recíproco não fossem suficientes.







Uma segunda noção que precisamos esclarecer é a idéia de que quando se ama de verdade se tende a "não poder viver sem a outra pessoa". A atração sexual ou aquela íntima e profunda cria uma tamanha sinergia de forças que duas pessoas podem superar muitos obstáculos para estarem juntas. Por outro lado, porém, faz parte das qualidades do amor dar a força para aguentar a distância, quando ela for necessária. Distanciamento físico ou emocional podem marcar alguns momentos da relação amorosa. Porque ninguém é pronto e resolvido e porque a vida é imperfeita, amar não equivale a ter sempre momentos agradáveis e cheios de compreensão recíproca. Portanto, o "não posso viver sem você" do pique do amor romântico é um modo de dizer que tem valor num plano simbólico, enquanto que no concreto deve fazer lugar à maduridade de saber lidar com altos e baixos e com as contradições.





O casamento simbiótico é algo diferente. Ele é o resultado, geralmente, da união entre duas pessoas durante sua juventude, quando sua referência à família de origem e, sobretudo, às feridas e faltas que esta lhes deixou estão ainda fortemente gravadas na alma, gerando anseio por preenchimento. Os pombinhos inicialmente tendem a repetir o padrão mamãe-papai, prova é que há casais que chamam uns aos outros "filho" e "filha". Se o padrão de base das relaçãoes entre homens e mulheres é o do pai-filha e o da mãe-filho, nos casais simbióticos esse modelo é levado ao extremo, e literalmente os dois não sabem estar sem o outro. Falta-lhe autonomia e independência.





A ausência de autonomia é a incapacidade de realizar atividades próprias à personalidade de cada um, e tomar escolhas que dizem respeito aos gostos de cada indivíduo. A individualidade lentamente se eclipsa e os dois formam um todo informe no qual não se distingue mais quem é quem. Se a autonmia é a capacidade de fazer coisas sozinhos, independência é aquela de ter iniciativa por si próprios. A pessoa independente não pede permissão para fazer o que sente vontade e é importante para ela. Ela própria se autoriza, seguindo seus instintos e pensamentos. No casal simbiótico, esses dois aspectos essenciais para o desenvolvimento saudável do ser humano se perdem, ou são sufocados.





O casal simbiótico é como um indivíduo com duas cabeças mas um corpo só. Mentalmente, eles continuam se sentindo diferentes um do outro, sabem reconhecer perfeitamente as falhas e qualidades de cada um, os hábitos e preferências. Mas, por baixo dessa camada consciente, existe o emaranhado de sentimentos inconscientes que eles partilham e os amarram.





O nó da meada é que eles sua união é funcional à cada um conseguir ir adiante na vida. Psicologicamente falando, uma série de projeções foi realizada sobre o outro, investindo não só sua função (por ex., trazer dinheiro para casa ou cuidar da casa), mas um nível mais profundo. O outro representa um pedaço de si, ou vários pedaços de si, ocupando um lugar tamanho e de tal relevo na vida psicológica da pessoa que, no bem ou no mal, ela não consegue fazer sem.





O problema dessa situação é que não conta com as mudanças. Apesar de tudo, a força evolutiva do ser humano é fenomenal. Nada permance igual e tudo muda. Mudamos, queiramos ou não. Mesmo numa situação psicologicamente amputada, como a do casal simbiótico, a pressão interna na direção da individuação (que implica necessariamente em maior autonomia e independência) insiste e perturba. Aquele dos dois que está "para trás", aquele no qual este processo está mais sufocado, começa a se sentir inseguro e ansioso. Aquele que está "para frente", no qual a pressão interna tem mais via livre (geralmente de forma totalmente inconsciente), sentir-se-á "sufocado" pelo modelo de relação na qual está.





A vontade interna de novas experiências vai crescendo inexoravelmente. É como um cavalo jovem, cheio de vida e relinchando, desejoso de poder galopar livre pelas pradarias. Na falta da liberdade verdadeira, que só viria evoluindo para fora desse modelo de relação, duas coisas podem ocorrer: sufoca-se mais energicamente o espírito de liberdade, inclusive com a ajuda de remédios ansiogênicos e calmantes; ou se encontra essa autonomia de forma escondida e nos espaços mais ilícitos, como traições pelos cantos, mentiras e subterfúgios.





Transformar uma situação dessa para melhor é complicado porque toda e qualquer mudança é percebida pelo casal simbiótico como ameaçadora. É como dividir gêmeos siameses, grudados pelo corpo. Há o risco da morte, que no caso do casal simbiótico é o risco de matar a relação, ou o impulso evolutivo que exige que ela seja renovada e, com ele, aniquiliar a individuação de cada um. Entretanto, adiar o processo de mudança, uma vez que as sementes já foram postas, na forma de insegurança, ansiedade, desconfiança e mentiras, promete um futuro sombrio.





O paradoxo desse tipo de relação é foi justamente graças à simbiose que ambos os indivíduos cresceram como pessoas ao ponto de sentirem agora a necessidade interior de ir além. É por causa da simbiose que hoje cada um têm condições de poder ir adiante sem ela. O tempo está maduro, é hora de virar gente grande.
 

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Educação psicológica. O que é?

Adriana Tanese Nogueira


Na escola aprendemos a ler e escrever. Desenvolvemos conhecimentos sobre diferentes matérias, nos entediamos, adquirimos amigos e inimigos; e, algumas vezes, alcançamos alguma orientação sobre como pensar, ou seja, sobre o próprio processo do pensamento. Sobretudo, absorvemos regras, comportamentos e modos-de-ser. Entretanto, não somos robôs. Precisamos mais do que manuais sobre como ser. Uma pessoa não pode encontrar a felicidade seguindo trilhas dadas. Não há fórmulas para interpretar um ser humano.



Quando é que uma pessoa aprende a respeito do que sente? Como pode ela descobrir como trabalhar suas sensações interiores e pensamentos in função de dar uma resposta apropriada ao mundo de fora? E o que dizer dos sonhos? E daquele sentimento de que há alguma coisa espreitando por dentro e tentando se comunicar conosco?





Não existe um lugar oficial e público para esse tipo de aprendizado. Quem quiser evitar fórmulas prontas, e realmente chegar a entender quem é, vai precisar sair do caminho coletivo e direcionar-se para a educação psicológica.



A educação psicológica ensina a linguagem do mundo interior, ajuda uma pessoa a entrar em contato com esse mundo e a educa a caminhar ao lado de si própria. Em harmonia. A educação psicológica permite, também, o aprendizado da coragem e da auto-afirmação, desenvolve a inteligência cognitiva e emocional junto à habilidade de entender os outros.

Melhora a sensibilidade, dispara a sede pela vida e a força de vontade, além de promover uma atitude amorosa para consigo próprio e o mundo.



A educação psicológica é tão importante quanto aprender a ler e a escrever. Não é pelo aprendizado de livros, mesmo os de psicologia, que uma pessoa vai poder se conhecer, mas desenvolvendo o olhar correto, aprendendo a refletir sobre si própria enquanto vive. Livros oferecem orientações e insights, mas permanecem genéricos diante da realidade única e inimitável de cada indivíduo. Conhecer-se não é categorizar-se dentro de um determinado código de interpretação. Ao contrário do que se pensa, esse modo de proceder consigo próprio esclerotiza o entendimento de si. No lugar de abrir caminhos sobre a compreensão dos acontecimentos internos, os fecha pregando etiquetas e explicações prontas sobre a entrada misteriosa de nosso ser.



O único modo para se conhecer sem se congelar em estereótipos (que sejam os comerciais ou os "psicológicos" que diferença faz?) é aprendendo a reflexão crítica sobre si próprio através do exercício da presença. Essa é uma prática que só ocorre no dialogo com uma pessoa que já "funciona" assim, ou seja, uma psicoterapeuta. Não um psicólogo, cujo conhecimento é sobretudo acadêmico, mas um psicoterapeuta, a pessoa com "as mãos na massa", aquela que caminhou sobre suas próprias pernas, tendo alcançado a posição que ocupa de corpo, alma e mente. Um psicólogo que não tem experimentado uma grande variedade de vida interior, que não cumpriu a jornada interna não é melhor do que qualquer outra pessoa. Ambos tem conhecimento sobre os "outros", um possui preconceitos coletivos vindos da mentalidade comum, o outro tem "conhecimento científico" baseados em estatísticas e análise de laboratório. O psicoterapeuta é aquele em contato com a alma humana e pode compreender as dos outros e ajudá-los a se compreenderem porque ele vive em constante e consciente contato com ela.



Por que deve ser um profissional psicoterapeuta? Poderia de fato ser qualquer outra pessoa que já tivesse alcançado esse nível de reflexão e auto-conhecimento. Entretanto, seria como pedir para um cientista ter conversas educativas sobre física, por ex., com alguém no primeiro ano de colegial ou do primário. Ele pode fazer isso, com certeza, pelo menos deveria fazê-lo com seu filho. Mas estará ele disposto a utilizar seu tempo assim?



Um cientista só terá um dialogo que lhe seja realmente proveitoso sobre sua matéria com outro cientista. Com os demais interessados, ele poderá ser um professor, ou seja, oferecer uma educação sobre o que tão bem conhece. Isso porque o dialogo com o principiante pertence ao campo do trabalho. Ensinar é um trabalho. Que se ensine física ou desenho, matemática ou dança, ou que se faça educação psicológica o contexto é o mesmo: exige-se pedagogia e didática, tempo, disponibilidade e vocação.



A educação psicológica deveria ser tão esperada quanto ir à escola.

sábado, 28 de maio de 2011

Problemas com a auto-estima


                                                                                       Por Paul C. Vitz

A teoria da auto-estima, com a qual tanta gente hoje em dia parece estar obcecada, prevê que só as pessoas que se sentem bem consigo próprias é que se darão bem (talvez seja por isso que todos estudantes a adotam). Contudo, não há nenhuma pesquisa que lhe dê suporte.



Palestra dada por Paul C. Vitz em New Westminster, British Columbia (Canadá) em 29 de setembro de 1995.









A maior e mais conhecida parte da psicologia nos Estados Unidos é, hoje, a psicologia popular da auto-estima (self-esteem), que pode ser encontrada em todas as esferas da sociedade americana. A auto-estima, e a obsessão que muitos têm por ela, é familiar a quase todos nós atualmente. Ela influencia o currículo escolar de inúmeras crianças, uma vez que essa idéia – um ideal, na verdade – foi assumida e aplicada principalmente pelos educadores.

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O conceito de auto-estima não tem origens históricas claras ou óbvias. Nenhum grande teórico da psicologia fez dele o seu ponto central, embora muitos psicólogos tinham enfatizado o “eu” (self) de diversas maneiras, pondo que o foco central na auto-realização ou na concretização do próprio potencial. Isso torna difícil rastrear a fonte da ênfase que lhe é dada. Aparentemente, essa preocupação tão difundida é um produto destilado do interesse pelo “eu” que se encontra em tantas correntes da psicologia. A auto-estima parece ser o denominador comum entre os escritos de teóricos tão distintos como Abraham Maslow, Carl Rogers, os partidários da força do ego e, mais recentemente, os educadores morais. Seja como for, a preocupação com a auto-estima paira hoje sobre todos os lugares dos Estados Unidos. É, contudo, mais fácil de ser encontrada no mundo da educação: nos professores universitários de pedagogia, nos departamentos de ensino, nos diretores e nos professores de escola, e até nos programas educativos, especialmente os que têm por objeto a educação pré-escolar, como o programa “Vila Sésamo”.



O auto-apreço (self worth), que é um sentimento de respeito e confiança em si mesmo, possui um mérito que veremos em breve. Mas é algo muito diferente de uma auto-estima egocêntrica, do tipo “deixe eu me sentir bem”, que nos leva a ignorar os nossos defeitos e a nossa necessidade de Deus. O que há de errado nesse conceito? Muita coisa, e na sua própria essência. Foram feitos milhares de estudos psicológicos sobre a matéria. O termo auto-estima é freqüentemente confundido e misturado com outros, usado como rótulo para diversos aspectos que vão da auto-imagem (self image), à auto-aceitação (self acceptance), ao auto-apreço, ao amor próprio (self love), à auto-confiança (self trust), etc. No fim das contas, não existe nenhum acordo sobre como definir e aferir esse conceito. Mas, o que quer que signifique, não há nenhuma evidência confiável de que signifique muita coisa.



Para já, não há nenhuma evidência segura de que uma alta auto-estima produza efeitos reais. Na verdade, muita gente com a auto-estima baixa obteve bastante sucesso nas suas atividades. Gloria Steinem, por exemplo, autora de muitos livros e uma importante líder do movimento feminista, revelou recentemente numa longa passagem de uma das suas obras que sofria de baixa auto-estima. Por outro lado, há muitas pessoas com alta auto-estima que são felizes simplesmente por serem ricas, bonitas ou bem relacionadas. Outro grupo de pessoas com alta auto-estima é o dos traficantes de droga das grandes cidades, que geralmente se sentem muito bem consigo próprios: afinal, conseguiram ganhar muito dinheiro num ambiente hostil e competitivo.



Um estudo de 1989 comparou os conhecimentos matemáticos de estudantes de oito países. Os norte-americanos ficaram na última posição, enquanto os coreanos alcançaram a primeira. Mas os pesquisadores também pediram aos alunos que eles próprios avaliassem até que ponto eram bons em matemática. Os norte-americanos ficaram em primeiro lugar e os coreanos em último. A auto-estima matemática estava numa relação inversamente proporcional com o conhecimento matemático real. Este é certamente um exemplo de como a psicologia do “sinta-se bem” não permite aos estudantes uma percepção clara da realidade. A teoria da auto-estima prevê que somente quem se sente bem consigo mesmo alcançará o sucesso, o que supostamente faz com que todos os estudantes precisem dela. Mas, na prática, sentir-se bem consigo mesmo pode simplesmente fazer você demasiado confiante, narcisista e incapaz de trabalhar duro.



Não quero dizer que uma alta auto-estima afete sempre negativamente a performance das pessoas. A pesquisa acima mostra que não se pode afirmar com certeza que os níveis de auto-estima influenciam o comportamento, quer positiva quer negativamente. Isso deve-se em parte ao fato de a vida ser complicada demais para que uma idéia tão simples possa ser de alguma valia.



Todos já ouvimos falar de pessoas que são impelidas por inseguranças e dúvidas sobre si mesmas (self doubts). Essas pessoas são sempre os heróis ou os vilões da história. A prevalência de homens de baixa estatura na história dos feitos militares fanáticos está bem documentada. Júlio César, Napoleão, Hitler e Stalin foram homens baixos decididos a provar que eram grandes. Muitos atletas notáveis tiveram de superar graves deficiências físicas e falta de auto-estima. Poderíamos designar esse fenômeno como “efeito Demóstenes”, por referência do célebre orador grego que tinha problemas de fala e superou o seu defeito depois de muitos treinos em que se esforçava por falar com pedras na boca.



Muitas das maiores conquistas do homem parecem ter-se originado naquilo que o psicólogo Alfred Adler chamou de complexo de inferioridade. Não é que sentir-se mal a respeito de si mesmo seja bom. O que acontece é que apenas duas coisas podem mudar de verdade a maneira como nos sentimos a nosso respeito: uma verdadeira realização e um verdadeiro amor.



Primeiro, o que afeta as nossas atitudes são as realizações no mundo de verdade. Uma criança que aprende a ler, que aprende matemática, que consegue tocar piano ou jogar bola, essa criança terá um sentido de realização autêntico e um sentido de auto-estima apropriado. As escolas que falham em ensinar a ler, escrever e fazer contas corrompem a verdadeira compreensão da auto-estima. Quem causa esses problemas são os educadores que dizem: “Não os avalie; não os rotule. Você deve fazer com que eles sintam-se bem consigo mesmos”. Não faz sentido que os alunos estejam cheios de auto-estima se não aprenderam nada. A realidade em breve vai destruir as suas ilusões e eles terão de enfrentar dois fatos perturbadores: a) que são ignorantes; b) que os adultos responsáveis por ensiná-los mentiram para eles. No mundo real, o louvor deve ser a recompensa por algo realmente meritório. O louvor deve estar ligado à realidade.



Há uma maneira ainda mais fundamental de desenvolver uma auto-estima autêntica, na verdade sentimentos de auto-apreço ou o que os psicólogos chamam de “confiança básica” (basic trust). Esses sentimentos vêm pela recepção de amor.



Em primeiro lugar, está normalmente o amor materno. Essa experiência fundacional do amor não pode ser fingida. Os professores confundem a natureza desse amor quando tentam criar essa emoção profunda e estimulante fingindo amar todos os seus alunos por uma hora ou por um dia, e quando os elogiam indiscriminadamente. O amor dos pais simplesmente não pode ser manufaturado por um professor em poucos minutos diários de interação. A criança não apenas sabe que tal amor é falso, como também que os professores de verdade ensinam, e que ensinar envolve não apenas elogios, mas disciplina, exigências e reprimendas: amor numa palavra.



Os bons professores demonstram o seu amor quando se importam suficientemente com os alunos para discipliná-los. Assim, na maioria das escolas norte-americanas, os melhores professores e mais admirados são os professores de educação física. Eles ensinam, mas esperam desempenho e raramente preocupam-se com a auto-estima. Uma das melhores coisas que podem acontecer a um jogador de futebol aspirante é ser cortado do time, porque assim irá atrás das coisas para as quais leva jeito. Em vez de desperdiçar anos cruciais da sua vida lutando para ser um atacante de quinta categoria, pode tornar-se um golfista, um matemático ou um artista de primeira. Descobrimos muitas coisas na vida pelo processo de eliminação. E devemos esperar que os nossos professores nos eliminem das áreas em que não vamos bem, para assim podermos encontrar uma área que realmente seja a nossa.



Problemas similares surgem entre aqueles que tentam levantar a sua baixa auto-estima à força de dialogar carinhosamente com a sua criança interior ou outro tipo de “eu interior” inseguro. Tais tentativas estão fadadas ao insucesso por duas razões. Primeiro: se estamos inseguros acerca do nosso auto-apreço, como podemos acreditar nos auto-elogios? Pense nisto. Se você acha que não vale muita coisa, como pode dizer a si mesmo que vale e acreditar nisso? A realidade tem de entrar em jogo, sob a forma de uma verdadeira realização ou então do amor que os outros têm por nós. Assim os elogios terão alguma base. Do contrário, serão apenas um pequeno narcótico psicológico. Segundo: tal como as crianças, sabemos da necessidade de auto-disciplina e de realizações. Em poucas palavras, a auto-estima deveria ser entendida como uma reação, não como uma causa. É principalmente uma resposta emocional àquilo que nós e os outros fizemos a nós mesmos. Embora seja um sentimento ou um estado interno desejável, como a felicidade, não tem muitos efeitos. E tal como a felicidade e o amor, a auto-estima é quase impossível de ser alcançada quando se tenta obtê-la. Tente obter auto-estima e você provavelmente falhará; faça o bem aos outros e realize algo de valor na sua vida e terá tudo o que precisa.



O tema da auto-estima é vital para os cristãos. Por um lado, porque muitos deles estão excessivamente preocupados com isso; por outro, porque se tem dado muita ênfase à recuperação da auto-estima, particularmente nas igrejas protestantes. Devemos notar, contudo, que o conceito de auto-estima é profundamente secular e que, em princípio, não diz respeito aos cristãos. Não lhes diz respeito porque não precisam disso. Os cristãos devem ter um tremendo sentido de auto-apreço. Deus nos fez à sua imagem e semelhança, ama-nos, enviou o seu Filho para salvar cada um de nós. O nosso destino é estar com Deus para sempre. Cada um de nós tem tanto valor que os anjos se alegram por cada pecador que se arrepende.



Por outro lado, não temos nada de pessoal de que nos orgulhar. A vida e todos os nossos talentos foram-nos dados, e não passamos de pobres pecadores. Não há razão teológica para pensar que os ricos, os bem sucedidos ou as pessoas de alta auto-estima recebam mais favores de Deus e tenham mais chances de atingir o Céu. Na verdade, bem-aventurados os humildes, os mansos.



Além disso, a auto-estima baseia-se no conceito bem americano de que cada um de nós é responsável pela sua própria felicidade e por isso, do ponto de vista cristão, tem um efeito sutil e negativo: pode levar-nos a buscar a felicidade mais do que buscar Deus.



A auto-estima tornou-se importante hoje por ser considerada essencial à felicidade. “Você não será feliz se não se amar a si próprio”, dizem. Mas afirmar que devemos amar-nos a nós mesmos, que Deus não nos vai amar tanto quanto precisamos, é uma forma de ateísmo prático. Dizemos acreditar em Deus, mas não confiamos nele. Há muitos cristãos que adotam um lema nada bíblico para as suas vidas: “Deus ama aqueles que se amam a si próprios”.



Outro problema é o fato de os cristãos terem começado a usar a baixa auto-estima como desculpa para comportamento ruins ou destrutivos. Acontece que a auto-estima, baixa ou alta, não determina os nossos atos. Nós é que somos os responsáveis por eles, por tentar fazer o bem e evitar o mal. A baixa auto-estima não torna uma pessoa alcoólatra nem apta para reconhecer o seu vício. Ambas as decisões cabem-nos a nós, independentemente do nosso nível de auto-estima.



Por fim, todo esse foco em nós mesmos alimenta um amor pouco realista por nós mesmos, que os psicólogos costumam chamar de narcisismo. Pensávamos que os Estados Unidos já tiveram problemas suficientes com o narcisismo nas décadas de 1970, com a me generation, e de 1980, com os yuppies. Hoje, a busca pela auto-estima é puramente a mais nova expressão da velha egomania americana.



Pôr cara sorridente a cada dever de casa que as crianças entregam, simplesmente pelo fato de o entregarem, ou conceder-lhes troféus apenas por estarem no time são bajulações do tipo daquelas que há décadas estão presentes nos nosso bordões comerciais: “Você merece uma folga”, “Você é o chefe”, “A gente faz do seu jeito”. Tamanho amor próprio é uma manifestação extrema da psicologia individualista que por muito tempo vem sendo apoiada pelo consumismo, e que também é reforçada pelos nossos educadores, que gratificam até as mais jovens crianças com mantras repetitivos do tipo: “Você é a pessoa mais importante do mundo”.



Essa ênfase narcisista em si mesmo, que na sociedade americana se dá sobretudo na educação, mas também na religião, é uma forma disfarçada de egolatria. Se levada a sério, os Estados Unidos teriam “os trezentos milhões de pessoas mais importantes do mundo inteiro”. Trezentos milhões de “eus” dourados. Se tal idolatria não fosse tão perigosa para a sociedade, seria vergonhosa, patética até. Esperemos que o senso comum inicie uma reação.







Paul C. Vitz

Ph.D. pela Universidade de Stanford (1962), professor emérito de Psicologia da Universidade de Nova York e professor adjunto do John Paul II Institute for Marriage and Family (Washington, D.C.). É autor de quatro livros, entre os quais estão «Psychology as Religion: The Cult of Self-Worship» (“A psicologia como religião: a egolatria”) e «Faith of the Fatherless: The Psychology of Atheism» (“A fé dos órfãos: psicologia do ateísmo”).





Fonte: Catholic Educator´s Resource Center

Link: http://catholiceducation.org/articles/education/ed0001.html

Tradução: Quadrante

Projeção

[Parte de um texto do autor Hans Bürki]

´

Projeção.

A Psicologia descobriu, ou melhor, redescobriu a tendência que é denominada projeção_ a capacidade que o ser humano tem de fazer imagens mentais. Somos capazes não só de fazer imagens, mas precisamos fazê-las. Se hoje em dia parece existir menos imaginação, é porque ela tem sido reprimida. O fato de que é essencial para o homem projetar imagens pode ser melhor demonstrado pelo fato dele sonhar.

Nos sonhos reproduzimos nossas vidas em termos de símbolos e imagens. Estudos extensivos têm sido feitos sobre as reações de uma pessoa adormecida que é perturbada, sem ser acordada, toda vez que se encontra a ponto de sonhar. Depois de alguns dias essa pessoa, que não consegue sonhar, começa a ficar nervosa e, após umas duas semanas, chega bem próxima de um esgotamento nervoso, ás margens da doença mental. Isto mostra quão essencial é para o homem a atividade imaginativa. (…) Nosso subconsciente vive através de imagens, e tais imagens simbolizam acontecimentos reais, “interpretando” ou “corrigindo” nossas experiências diárias. Posso sonhar com um cisne branco, isso pode ser uma projeção, uma imagem simbólica do meu ser.

O Poder da Projeção Precisa ser Aperfeiçoado.

(…) O poder da projeção é um instrumento neutro da alma, que pode ser usado corretamente ou, então, mal usado. A projeção não deve e não pode ser eliminada, deve ser purificada.

Ilustraremos como tal processo pode se dar, sevindo-nos do que se denomina a “projeção animus-anima”. Todo homem, como um “animus”, possui a imagem interna de uma “anima” (a imagem interna de uma mulher). Toda mulher, como “anima”, tem a projeção de um “animus”. Como é que tais “imagens” foram formadas? A primeira experiência masculina da “anima” é sua mãe. Depois, suas irmãs, amigas de escola, professoras e todas as mulheres com quem tenha se encontrado desde a mais tenra infância, e todas as experiências negativas e positivas que tenha tido com relação a essas mulheres, e que fizeram adições a essa imagem. Jung iria mais além, dizendo que todas as experiências com mulheres em épocas e culturas passadas_sociedades matriarcais, até mesmo deuses_ deixaram o seu efeito, juntamente com as experiências pessoais.

Tais experiências pessoais provêm até mesmo do período subconsciente no ventre materno, bem como das experiências dos primeiros meses no peito da mãe. Ao lado das experiências históricas e biográficas, há também a experiência pessoal. Aquilo que o homem não é, e não tem, em termos de qualidades pessoais de caráter, ele projeta nessa imagem. É sua “outra metade” que não é cumprida em si mesmo. Todos esses fatores ajudam na formação desta imagem de “anima”.

Esta imagem está nas profundezas dentro de si. Ilustrando, é como se projetasse isso tal como se fosse um projetor cinematográfico focalizando sua luz sobre uma tela. Bem, das mulheres que passam por ele, algumas não lhe despertam nenhuma reação; outras o atraem, e há as que lhe causam uma tremenda reação. É quando se encontra com alguém que corresponde à imagem de sua projeção; e então ele afirma que “se apaixonou à primeira vista”. Achou alguém que se identifica com sua imagem. Isso lhe dá grande prazer. Na realidade ele não se encontrou com esta moça, mas tão somente com sua projeção dela, isto é, sua própria imagem. E fica fascinado porque se vê a si próprio completo, num todo unificado.

É verdade que este tipo de amor é cego, porque a pessoa fecha a mente e então sonha, vendo sua imagem da moça, porém não a ela própria. A sua questão é ainda mais complicada porque há duas telas. A moça, de igual modo, também está projetando o seu “animus”. Então, as duas projeções se encontram. Eles começam a se gostar e apaixonam-se. (Uma complicação adicional é que cada um tem também uma projeção de seu ideal do outro sexo_ o que deveria fazer e ser_ e estes conceitos também podem ser irreais.)

Como é que os dois podem chegar a se ver objetivamente? Apenas através da desilusão. Se ela continuamente não se comportar como ele espera, então ele tem duas alternativas. Pode dizer: “Ela não é a pessoa certa para mim, pois que não é como a minha “anima” e somente a minha imagem de mulher é adequada para mim”. A outra alternativa é duvidar da objetividade da projeção, reconhecendo a “anima” como irreal.

Conheço um homem bem culto que é uma pessoa muito intelectual e complicada. Certa vez me disse: “Sabe, fiquei conhecendo uma moça que me atrai muito”. Respondi-lhe: “Muito bem; que tipo de moça ela é?” Respondeu-me: Sabe, ela é tudo por quanto tenho ansiado. Ela me completa” Disse-lhe: “Qual é a profissão dela? O que ela faz?” Foi então que ele se mostrou um tanto embaraçado e me respondeu: “Ela só tem o curso primário; é tão simples e tão natural…ela é justamente tudo aquilo de que eu preciso”. Minha resposta foi: “Não seja ingênuo: isso poderia ser muito bom para um ou dois fins de semana, mas seria um desastre para toda a vida”! Este é um exemplo perfeito de identificação com a projeção de alguém. Porque ele é complicado, ele “ama” alguém muito simples. Outro exemplo é a projeção da “virgem pura”. Em vista de um homem sentir-se impuro, deseja encontrar uma moça pura. Cria uma imagem de tal pureza que ela não é mais uma mulher, mas sim um tipo de anjo, um ser que não vive na terra, mas no céu. Esse mesmo homem pode procurar prostitutas, tendo ao mesmo tempo esta projeção de uma mulher irreal, angélica, religiosa.

Tudo isso se aplica não somente ao amor e ao casamento, mas a todas as nossas relações humanas. Chamamos amigos aos homens e mulheres que se encaixam em nossas projeções. Damos-lhes atributos positivos. Os que não estão de acordo com as nossas imagens, que agem de modo contrario a nossas projeções, não são dignos de nós; não nos pertencem.

Nossa reação normal é rejeitá-los, por ser este o caminho mais fácil. Entretanto, ao invés disto, deveríamos fazer com que as nossas projeções irrealistas fossem quebradas e purificadas.

É muito importante que nos encontremos uns com os outros porque assim as nossas projeções se testam. Este encontro com os outros cria conflitos em nossas experiências. Os outros não se comportam como desejamos, e ficamos desapontados. Além disso, os outros projetam suas imagens em nós, e sentimos que não somos compreendidos. Sentimos que não podemos explicar quem somos e o que na realidade pensamos. A outra pessoa já possui sua imagem de mim e identificou-me com a sua própria imagem. Esta é uma das dificuldades fundamentais em todas as nossas relações uns com os outros. Será que na realidade nos encontramos uns com os outros? Haverá um encontro real? Ou será que só nossas projeções se encontram?

Vejamos uma outra ilustração. Todos nós temos uma projeção em relação a nosso pai ou mãe, projeção essa que determina bastante o tipo de pessoa do sexo oposto que acharemos atraentes. Se não pudermos nos desfazer desta projeção de nosso pai ou mãe, estaremos correndo o perigo de nos casarmos com as projeções dos mesmos. (…) É fácil fazermos isso externamente falando, porém é muito difícil livrarmo-nos deles, interiormente falando, deixando essas projeções. Geralmente a nossa primeira imagem de nossos pais é a de duas pessoas perfeitas. Ficamos grandemente conturbados quando, talvez ainda bem cedo na vida, constatamos certa falha neles. Nossa projeção fica em pedaços. À medida que crescemos, vemos ainda outras novas falhas em nossos pais. Podemos ter uma dentre duas diferentes reações. Inconscientemente podemos começar a desprezá-los. Muitos jovens odeiam a seus pais. Não se permitem dizer isso abertamente, porém há sempre uma grande tensão entre eles. Trocam palavras fortes com seus pais, e estão em conflito. A outra possibilidade é limitar ou quebrar a projeção. Reconheço, então, que meus pais são seres humanos como eu. Se eu mesmo não sou perfeito, por que eles deveriam ser? Se eu me permito ter certas imperfeições e fraquezas, por que não as deveriam ter eles também?

(…)

Se não pudermos desenvolver esta segunda atitude, nunca nos libertaremos da imagem dos nossos pais. Há muita gente, pessoas mais moças e de mais velhas que, com toda a violência, reagem contra seus pais e, ao fazerem isso, provam que ainda estão ligados a eles. Só quando desenvolverem a atitude de companheiros e amigos é que poderão ficar livres. Isto é algo que uma pessoa precisa praticar durante certo tempo.

[Parte de um texto do autor Hans Bürki]

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A sexualidade no contexto da modernidade líquida


Anderson Cristiano da Costa



Como nos ensina o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos numa era fluída, num tempo líquido, onde não existe mais espaço para a solidez. A modernidade líquida pode ser compreendida então como um tempo da volatilidade, onde nada é durável, nada é estável, inclusive, as relações humanas. Assim, as mudanças cada vez mais rápidas apresentam-se como uma das características mais marcantes desse nosso tempo.

A solidez não é mais uma característica interessante atualmente, visto que dificulta as mudanças, torna tediosa a convivência diária, pois tem a capacidade de teimar em não ceder aos imperativos que buscam a todo custo empurrar os indivíduos para os caminhos da ambivalência, instantaneidade, precariedade, vulnerabilidade e consumismo.





Num mundo frágil e imediatista, os laços humanos se constituem precariamente. A fluidez da Modernidade Líquida se revela através da vulnerabilidade, instantaneidade, efemeridade e precariedade das relações humanas. As pessoas estão desconectadas, sem redes de relação de apoio, sentindo-se perdidas e necessitadas de criar laços afetivos. (NOGUEIRA, 2006, p.22).





O ser humano é um individuo que busca relações, contudo, na modernidade líquida, ele se vê desconectado, desamarrado de uma rede de apoio, livre para movimentar-se da mesma forma que os fluidos. Marcado pela ambivalência e imediatismo, ele se tornou prisioneiro da angústia, já que existe à sua frente um universo de possibilidades, sendo livre para se movimentar no meio delas, o que torna muito difícil escolher a “melhor” opção. Mas o sujeito busca uma forma de criar laços afetivos para aplacar seu sentimento de solidão e medo. Não obstante, como é marcando pela ambivalência e liquidez, os laços afetivos que busca construir são frouxos, pois o ser humano líquido (líquido sim, pois é um indivíduo que faz parte de um tempo líquido, que escorre e muda constantemente numa grande velocidade) evita tudo que é sólido e que possa durar. Essa sua posição ambivalente, de querer um laço, mas ao mesmo tempo não querer ficar preso ao mesmo, impede que esse sujeito se esforce para manter a continuidade, a durabilidade das relações.

Estabelecer laços duradouros exige sacrifícios, e pode significar também a perda de outras oportunidades. Como o ser humano líquido é imediatista, ávido por prazer, ele então migra de uma relação para outra em busca do maior ganho, contudo, o próximo laço é tão frouxo quanto o anterior, e logo se torna tedioso, exigindo então o retorno à busca incessante. No caso da sexualidade — fenômeno inerente ao ser humano — essa fluidez se apresenta marcante. Os indivíduos buscam um no outro o prazer imediato, o que se configura como um laço frouxo e ligeiro.

A sexualidade humana não deve ser entendida somente no sentido do ato sexual em si, mas como um conjunto complexo de atitudes, hábitos, impulsos e ações que visa o estabelecimento de relações com outras pessoas. O ato sexual faz parte da sexualidade, mas a sexualidade não é somente o ato sexual, o coito. Contudo, na modernidade líquida, a sexualidade quase sempre é entendida como ato sexual simplesmente. Assim, muitas vezes, o outro (a outra pessoa) é percebida como uma fonte de prazer, como um objeto capaz de proporcionar prazer imediato, algo capaz de satisfazer os desejos inflamados pelo discurso da cultura líquida consumista — discurso que é veiculado muito eficientemente pelas diversas mídias. Assim, fundou-se um mercado sexual, onde a idéia do descartável reina, onde o outro é um objeto que pode ser utilizado para obter prazer — e que posteriormente pode ser descartado sem maiores problemas.

O imediatismo, a busca pelo prazer e pelas relações fluidas, exige dos indivíduos uma constante mudança: mudança de parceiro, mudança de valores etc. Dessa forma, cada pessoa, para participar do mercado sexual, necessita “[...] aproveitar bem as cartas de que se dispõe. (BAUMAN, 1998, p. 56), ou seja, é preciso utilizar com perícia aquilo que se tem à mão — dinheiro, cirurgias estéticas etc. — para conseguir satisfazer seus desejos e necessidades. Os indivíduos buscam então relações que proporcionem satisfação imediata dos desejos e, uma vez numa relação, é preciso evitar criar laços sólidos, pois isso significaria a perda da liberdade, o que, conseqüentemente, levaria a perda de outras oportunidades mais satisfatórias e prazerosas. Migra-se então de uma relação para outra, evita-se o tédio, busca-se um coquetel de fortes emoções. Contudo, essa fluidez provoca insegurança e angústia, pois são tantas as opções no grande mercado, e tudo é tão descartável, que, ao mesmo tempo em que se busca a liberdade de movimento, um medo de ser descartado, de não ter um ponto de apoio, de não ser amparado quando de uma dificuldade, apodera-se da individualidade, e chega a provocar os maiores temores, levando o sujeito a procurar ainda mais satisfação, para então despistar a angústia que se apoderou de si. Mas, curiosamente, quanto mais procura, quanto mais estabelece laços frouxos, mais inseguro e angustiado se torna. Falta-lhe a segurança do sólido, dos laços duradouros.

Como tudo na modernidade líquida é encarado da mesma forma como é encarado os bens de consumo, a sexualidade também é regulada pelas leis do mercado “[...] que disseminam imperativos de bem-estar, prazer e satisfação imediata de todos os desejos.” (NOGUEIRA, 2006, p.14). Dessa maneira, os laços afetivos duram até quando oferecerem a possibilidade de satisfazer os desejos instantaneamente. O corpo do outro é visto então como uma espécie de playground, algo que pode ser desfrutado e depois abandonado quando o tédio se instalar — ou quando outra oportunidade mais interessante despontar no horizonte.

Enfim, a sexualidade na modernidade líquida não foge das regras do mercado capitalista, tudo é regido pelo imperativo do consumo, efemeridade, precariedade e liquidez. Contudo, a falta de laços sólidos promove a insegurança e a angústia. O ser humano destes tempos líquidos é inseguro, intranqüilo, e busca incessantemente algo que não sabe o que é, e mergulha no consumo e nas relações fluidas, atendendo aos discursos de um sistema insaciável — o sistema capitalista. Os laços humanos estão cada vez mais frouxos, mais instáveis, carregados de incertezas e intolerância.

 


Referências

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. 272p.

NOGUEIRA, Cristiane Santos de Souza. Novas formas de lidar com o processo da separação conjugal da modernidade líquida. 2006. 143f. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Curso de Mestrado em Psicologia. Disponível em: < http://www.sistemas.pucminas.br/BDP/SilverStream/Pages/pg_ConsItem.html>. Acesso em: 10 abr. 2011.




Anderson Cristiano da Costa

Graduando em Psicologia, poeta e contista

domingo, 1 de maio de 2011

Anima e Animus - Nossos pais dentro de nós

Adriana Tanese Nogueira




C. G. Jung descobriu que há uma figura psíquica que se coloca entre o mundo do ego, onde reside nossa identidade, e o mundo desconhecido e inconsciente, o além do ego. Esta figura chama-se Anima nos homens e Animus nas mulheres.





Este personagem da psique é importante por dois motivos: primeiro, porque nos influencia na escolha do tipo de indivíduo do sexo oposto para o qual vamos nos sentir atraídos “instintivamente“. Segundo, porque define o modelo de relação que teremos com o mundo dos afetos (para os homens) e com o mundo das idéias (para as mulheres). Devo frisar, entretanto, que não se trata de uma predeterminação ou um destino, mas de uma tendência que se não se tornar consciente, ou seja, se a pessoa não se conhecer, amadurecer e evoluir, vai moldar boa parte de sua vida.





Anima e Animus, primeiramente, assumem as imagens de nosso pais. O menino, sendo homen, tenderá a identificar-se - a nível de ego - com seu pai, e terá a mãe vinculada à figura interna da Anima. A personalidade da mãe real marcará as principais características de sua Anima, ou seja, de sua forma de lidar com as mulheres e com os sentimentos.







Mães distantes, frias, ambíguas, traiçoeiras terão filhos homens que não se entregam aos sentimentos, que os temem e evitam - apesar de poderem estar desesperados por eles. Mães manipuladoras e intriguentas terão filhos que se utilizam dos sentimentos para manipular suas companheiras e quaisquer outras relação afetivas (por exemplo, os filhos), sendo ambíguos e contortos na sua forma de amar. Mães moralistas e medrosas estarão banindo de seus filhos o atrevimento e a confiança na vida. Mães boazinhas e condescendentes terão filhos que buscam o mesmo tipo de disponibilidade e conforto em suas mulheres.





Por que nós seres humanos somos muito mais do que o nosso ego pode imaginar, há outros fatores que influenciam na escolha da parceira, e alguns deles eu tenho observado. Por exemplo, tenho visto que um homem pode “instintivamente’ buscar uma mulher aparentemente oposta ao modelo feminino que sua mãe personifica. Isso não quer dizer que o que escrevi antes está errado. Se aproximarmos o olhar, veremos que, por exemplo, o homem com mãe manipuladora e intriguenta, casou com uma boazinha e simples, porém nela encontrou a mesma disponível atitude a amá-lo e considerá-lo importante como sua mãe fazia. Ou, o homem com a mãe traiçoeira encontra uma mulher confiável porque há outras partes dele que lhe são desconhecidas que atuam, mas na hora de criar uma relação, ele irá tratá-la como se ela fosse aquela mesma mulher que traiu tantas vezes suas expectativas de amor.





É preciso observar as realidades individuais e de uma maneira holística para realmente saber o que se “perdeu” e o que se “manteve” no novo modelo. As relações são feitas de inúmeros “encaixes” em diferentes níveis. Por isso, para realmente entendê-las, é preciso abrir mão da pressa e da superficialidade.





No caso das mulher, o Animus atua de forma parecida. O pai representa a visão de mundo, as idéias, a ideologia que toda pessoa, consciente ou não, tem a respeito da vida. Como, infelizmente, são poucos os pensadores, filósofos e reflexivos, as idéias numa família tendem a ser padronizadas e/ou rígidas. Como já devem ter notado, mudar de mentalidade é muito difícil, requer no mínimo eventos fortes - que como terremotos sacodem as fundamentas - e/ou uma forte personalidade e madura. Geralmente, prevalecem os lugares comuns. A mídia os reforça e a escola os consagra. Afinal, quem são os homens como indivíduos? São pessoas que, basicamente, trabalham para sustentar sua família. Isso requer muito tempo e energias, não sobrando para outras atividades, uma delas pensar sobre a vida. As filhas desses homens ão ter uma forma de pensar baseada na repetição de lugares comuns - que sejam lugares comuns de seu bairro ou classe social ou raça, sempre se trata de banais lugares comuns. Não a caso, as mulheres tendem a ser as mais conservadoras em todos os setores, perceberam?





Uma ideologia estanque quando internalizada desde pequenina inviabiliza a troca fresca e criativa com o mundo interior, isto é, com o que a mulher é dentro de si, com sua originalidade, inovatividade e alteridade. Inviabiliza por dois motivos: primeiro, porque introjetar um modelo masculino obtuso torna impossível estar sensíveis à novas idéias. E segundo, este modelo solapa a auto-confiança em qualquer novidade interior. A auto-estima da mulher estará vinculada à aprovação por parte desse modelo (o pai interior) que pelas características que apresentamos irá aceitar somente o que se conformar a ele. Daí a enorme dificuldade que as mulheres têm em de fato se colocar e dizerem o que pensam!





Voltarei sobre esse assunto em outra ocasião, pois não quer me delongar aqui. Mas ele é de enorme importância, como espero ter conseguido mostrar a vocês.

Reflexões sobre o discurso de Péricles a respeito da democracia (461 aC)

"Aqui em Atenas, nós fazemos assim:

Aqui o nosso governo favorece a muitos, em vez de alguns, a isso chamamos: democracia.





Aqui em Atenas nós fazemos assim:

As leis asseguram justiça igual para todos nos seus litígios privados, mas nunca ignora os méritos da questão. Quando um cidadão se distingue, então, será, em detrimento de outros, chamados a servir ao Estado, mas não como um ato de privilégio, e sim como uma recompensa ao mérito e a pobreza não é um impedimento para isto.









Aqui em Atenas nós fazemos assim:

A liberdade que desfrutamos se estende também à vida diária; nós não suspeitamos uns dos outros e não nos aborrecemos nunca com os nossos próximos, se lhes agrada viver a sua maneira. Somos livres, livres para viver como nós gostamos e mesmo assim, ainda estamos sempre prontos para enfrentar qualquer perigo. Um cidadão ateniense não descuida dos assuntos públicos, mesmo quando atende aos seus assuntos privados, mas sobretudo não utiliza do expediente público para resolver seus assuntos particulares, pessoais.





Aqui em Atenas nós fazemos assim:

Nós temos sido ensinados a respeitar o poder judicial, e nós fomos ensinados a respeitar as leis e não esquecer nunca que devemos proteger as vítimas. E também fomos ensinados a observar as leis, mesmo as não escritas mas que são universalizadas pela justiça e bom senso.





Aqui em Atenas fazemos assim:

Um homem que não se preocupa com o Estado, nós não o consideramos inofensivo, mas sim inútil, e poucos são incapazes de dar a vida ao Estado e aqui em Atenas nós podemos julgá-lo. Nós não consideramos a discussão como um obstáculo no caminho da democracia. Nós acreditamos que a felicidade é fruto da liberdade, mas a liberdade é apenas o fruto do valor dessa mesma liberdade. Em suma, eu proclamo que de Atenas é a escola da Hélade, e que cada ateniense cresce desenvolvendo em si uma feliz versatilidade: a fé em si mesmo, e o preparo para enfrentar qualquer situação e é por isso que nossa cidade está aberta para o mundo e nós não expulsamos nunca nenhum estrangeiro.





Aqui em Atenas nós fazemos assim…

Péricles – Discurso aos atenienses, 461 a.C."





E aqui no Brasil como fazemos? Aqui nessa empresa? Aqui nessa comunidade? Nesse bairro? Nessa família? Aqui dentro de mim?





Dois mil e quinhentos anos após esse discurso ter sido proferido ele soa tão inovador e provocatório, quanto o ideal ser alcançado. Proponho refletir sobre alguns dos tópicos mencionados por Péricles, aplicando-os à vida privada e interior de cada um.





Em que medida privilegiamos o mérito? Do ponto de vista externo, isso significa: em que medida somos cúmplices do abuso, do privilegiar quem não merece e do desclassificar quem merece em nome do nosso próprio medo, do fingimento e da omissão? No que diz respeito à interioridade, essa questão aponta para o que priorizamos no nosso dia-a-dia. Quais situações e pessoas recebem o privilégio do nosso tempo, das nossas energia, devoção e abertura? São ela merecedoras do pedaço de vida que lhes dedicamos?





Permitimo-nos a liberdade de ser e a permitimos aos outros? Externamente: fofocas, julgamento, boicotes e omissões são uma forma de repressão. Usamos desses meios para promover o bem ou para nivelar os outros ao nosso mesmo patamar de auto-censura? Somente julga quem amarra a si mesmo aos estereótipos que exige que os outros assumam. A pessoa livre não se incomoda com a expressão livre do outro (a menos, claro que o outro a esteja prejudicando).





Somos cidadãos? Cidadão é aquela pessoa que considera a rua uma estensão de sua casa, no sentido que vai cuidar da coisa pública como cuidaria da privada. Cidadão é aquele que não se aproveita do "que é de todos e de ninguém", que não joga lixo na rua, que não atrapalha a vida de seu vizinho, que exige qualidade naquilo que consome, que demanda serviços eficiêntes, que se interessa pelo que acontece fora de sua casa e faz de toda oportunidade em que estiver no mundo um momento educacional, onde dá o exemplo do que é ser uma pessoa de bem.





Obviamente, um cidadão obedece a lei. Se não gostar dela, tentará mudá-la através dos meios legais. Ele tem claro a distinção entre assuntos públicos e privados. Este é atualmente um dos maiores desafios na cultura brasileira. Muitas pessoas tratam a rua como se fosse deles, não para dela cuidar mas para dela usufruir, como se fosse uma estensão de sua sala de estar e como se elas fossem as únicas moradoras do bairro. Para esses indivíduos falta a consciência do que é público e do que é privado, suas mentes parecem embaçadas por seus interesses "umbilicais".





Justamente, diz Péricles, uma pessoa que não se preocupa com o bem comum é uma inútil. Aparentemente, indivíduos assim eram raros em Atenas, deve ser por isso que a produção filosófica e cultural dessa pequena cidade continua sendo um farol que continua brilhando após vintecinco séculos. A chave desse envolvimento está magnifica e simplesmente expressa na frase: "Nós não consideramos a discussão como um obstáculo no caminho da democracia." A palavra "discussão" tem na cultura brasileira conotação negativa. Não se discute, se "conversa". A discussão é caracterizada por calor das emoções, pela força das palavras... e, acredito eu, numa sociedade com tão longa história de repressão, discussão acalorada deve trazer à tona o medo de facas e golpes. Vence o poder do mais forte.





Numa discussão de verdade, vence o poder da melhor argumentação. Não é quem fala que conta, nem quantos revólveres e poder político tem. É seu argumento que está em foco. Naturalmente, para participar de uma discussão dessas é preciso que os ouvintes saibam pensar, ter raciocínio e acompanhar a reflexão. As discussões atenienses eram, portanto, uma escola para o pensamento livre. Estimulavam a mente a ir além, ousando questionar e derrubar aparências e falsas razões.





De grande valor psicológico é a afirmação de Péricles segundo a qual a felicidade é fruto da liberdade. A felicidade, de fato, é indissociável da vida digna, que é aquela na qual podemos expressar nossas aptidões e potencialidades, a qual requer um mínimo de condições materiais. A felicidade é também o fruto da liberdade interior. Saber romper estereótipos aprendidos na infância é indispensável para perceber em si e na vida novos caminhos, novas interpretações e cenários possíveis.





Enfim, muito bem verbalizada é a idéia da felicidade versátil, que sabe se adpatar às necessidades do momento. Bonita a imagem dessa auto-confiança que está alerta, capaz de reconhecer quando é hora de enfrentar o perigo como também capaz de gozar a paz em plenitude, sem 'paranóias'. A abertura para o estrangeiro é o resultado de um povo auto-confiante. Em linguagem psicológica, a abertura a idéias e experiências novas é possível para a pessoa que confia em suas capacidades de lidar com o que vier, que não precisa se enclausurar em si mesma ou em sua família e evitar aquelas pessoas e situações que questionariam as frágeis verdades sobre as quais construiram suas vidas.
 

Tipos Psicologicos: Diferentes Abordagens ao Real

Adriana Tanese Nogueira



Por que as pessoas reagem e interpretam o mesmos eventos de formas tão diferentes? A partir de 1913, Carl Gustav Jung (1875-1961) colocou esta pergunta a si mesmo.



Em 1913, Jung havia publicado seu “Símbolos da Transformação” provocando a reação áspera de Freud e sua desonra na associação psicoanalítica daquele tempo. Ele não mais seria o “herdeiro” de Freud. Apesar das previsíveis consequências Jung não podia negar suas descobertas, que giravam em torno do conceito de “libido”. Para Jung, libido é muito mais do que impulso sexual, e o próprio Eros não se resume a uma energia física.



Por que então o mesmo fenômeno é interpretado e sua compreensão desenvolvida em modos tão diferentes como o dele e o de Freud? A pergunta rodopiou em sua mente por muitos anos.





Como resultado desta busca, em 1921 ele publicou “Tipos Psicológicos”. Seus estudos não se limitaram a seus contemporâneos mas, como é típico de Jung, ele estudou o mesmo fenômeno entre filósofos e teólogos ao longo da história ocidental. Suas conclusões o levaram para os tipos psicológicos.





Estes são: Pensamento, Sentimento, Sensação e Intuição. Quatro modos de abordar a realidade, todos eles igualmente válidos. O objetivo principal das funções é - como para tudo o que é vivo - uma bem sucedida adaptação. Elas se unem umas às outras em diferentes combinações para formar a personalidade inteira na qual cada uma tem seu lugar (ou haveria de ter).







Pensamento e Sentimento são funções racionais. Sensação e Intuição, irracionais. Racional quer dizer que a função trabalha seguindo uma lógica e objetiva um determinado fim. Irracional é o que simplesmente acontece, não pode ser controlado.





A Sensação é uma função de percepção. É um relacionar-se com o mundo a partir dos cinco sentidos. Graças a ela sabemos do ambiente à nossa volta, entramos em contato com os eventos (não os interpretamos, só os vivemos) e apreciamos o conforto, o dinheiro e o mundo físico. A Sensação não necessita de nenhum raciocínio para acontecer, ao contrário, uma pessoa precisa suspendê-lo se quiser apreciar um pôr-do-sol, uma praia ou uma relação sexual.





Uma vez que a Sensação percebeu o objeto ou evento, vem a função Pensamento para julgá-lo de acordo com conceitos racionais. O raciocínio que segue uma lógica estruturada em causa e efeito é o que torna o Pensamento uma função racional. Graças a ela podemos decidir se uma situação é certa ou errada.





O Sentimento também avalia, mas não por meio de idéias ou conceitos, e sim valores afetivos. É a lógica do coração que está em jogo. Sua racionalidade se reflete no fato que o Sentimento julga o sinal positivo ou negativo de uma relacão ou situação. Graças a ele sabemos se uma coisa é boa ou ruim.





Após perceber o objeto, defini-lo em sua razão de ser e dar-lhe um valor sentimental, intervém a quarta função. A Intuição prevê os possíveis desenvolvimentos que a situação ou relação pode ter. Ela capta o processo interno das coisas e para onde está direcionado. É irracional proque não acontece quando você pede e não depende de uma lógica causa-efeito para fazer sentido.





As quatro funções psicológicas podem ser extrovertidas ou introvertidas, o que significa que a libido individual (que para Jung é a própria energia vital que se expressa de diferentes formas, sendo a sexual uma delas), está preocupada e vinculada sobretudo ao mundo externo ou àquele interno. No primeiro caso, a vida da pessoa e seu pensamento são orientados pelo que está fora dela; no segundo, a bússola da pessoa é sempre seu si mesmo mais profundo.





As quatro funções criam quatro tipos psicológicos dependendo de qual função é a proeminente. As funções geralmente funcionam em duplas, uma racional com uma irracional, visto que duas do mesmo tipo conflitam uma com a outra. Pensamento e Sentimento são opostos: ou você usa o lógica da mente ou a do coração - nunca as duas juntas ao mesmo tempo. Sensação e Intuição se auto-excluem: se você presta atenção principalmente à aparência física de seu parceiro, suas formas e tamanhos, não vai poder de verdade levar em consideração sua beleza interior.





Infelizmente, o desenvolvimento psicológico das quatro funções é influenciado pela cultura na qual vivemos. A civilização ocidental está focada no Pensamento e na Sensação, em lógica e dinheiro, leis e comida, ordem e conforto. Naturalmente, estas serão as funções mais estimuladas numa criança e portanto as outras duas vão ser de alguma forma renegadas, dependendo da radicalidade dos pais. A Intuição, por exemplo, é altamente temida em várias casas. Por outro lado, ela dá lugar a ambiguidades e superficialidades sem fim. O Sentimento leva à novelas bregas à ingenuidade. Muitas vezes um estimado e reconhecido juíz é infantil e imaturo no que diz respeito seus sentimentos.





A função não desenvolvida é chamada de “primitiva” ou “infantil”. O mundo ocidental é primitivo e infantil em sua forma de lidar com sentimentos e intuições, mas altamente desenvolvido em suas funções Pensamento e Sensação. Como exemplo de como somos primitivos nos sentimentos e fortes no pensamento, baste pensar na Ética. Temos excelentes Éticas, uma das melhores foi escritas mais de 250 anos atrás em Konigsberg, Alemanha, por E. Kant, outra extraordinária foi pregada 2010 anos atrás por você sabe quem. E daí? Idéais pode ser claras como o sol ao meio dia, mas comportamentos e fatos estão ainda atolados em lamacentas crateras que podem explodir a qualquer hora. Por outro lado, a Intuição ocidental exprime sua infantilidade nas centenas de gurus religiosos (ou não) com suas A Nova Verdade Para Você Mudar Sua Vida Em Somente 30 Minutos Ao Dia.







O melhor modo para resolver o dilema: desenvolva sua personalidade como um todo. Seja Uno, não um pedaço de si mesmo. Evite a perfeição, busque a integridade que é a integração de todas e de cada parte de você. E, last but not least: evite receitas multimilionarias bobas.
 

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Os "te amo" que se perdem ao vento

Adriana Tanese Nogueira

Imaginemos a situação em que uma pessoa se sente, no fundo de si, em dívida para com outra. A dívida nasce da percepção de não estar dando à outra o que esta merece, ou não estar retornando o que se recebeu, ou, enfim, por não cumprir o que se prometeu. Esta outra pessoa é sua esposa (ou seu marido). O "te amo" funciona como uma forma de pedir desculpas, manter a relação e... se assegurar um pouco de paz de consciência.







Mas, se a pessoa em questão se acomodar na falação do "te amo", suas intenções originais escorregam rapidamente para seu lado sombrio. Quanto mais a situação permanecer inalterada, ou seja, o "te amo" continuar gerando "conforto emocional" mesmo que por uns momentos, mais difícil será passar à fase de demonstrar o amor com os fatos. É desta forma que se arrastam relacionamentos que provocam confusões: coração e mente se contradizem.





Pessoas ingênuas e sonhadoras - como muitos nos seus primeiros 30-40 anos de vida (dependendo de cada um) - tendem a acreditar nas palavras. É normal quando elas correspondem ao que se sente. No início de uma relação, a emoção do encontro toma o controle de todos os aspectos, e a falta de conhecimento da outra pessoa, o qual só vem com a convivência, induz a dar crédito ao que se ouve. Afinal, só se ama quando se confia.





Com o passar do tempo, pode-se descobrir que há uma cisão entre as palavras que a pessoa emite e os fatos que ela apresenta. Ou, ainda, entre o sentimento que se sente dentro por ela e os fatos que dela se observam O "te amo" que expressa uma verdade do sentimento não necessariamente traduz uma verdade de vida. Uma coisa é sentir e ser sinceros com o que se sente (muita gente nem isso consegue fazer), outra coisa, é transformar esse sentir numa realidade de vida.





A trava que ocorre aqui é aquela que uma pessoa encontra quando descobre que para manter uma relação de amor ela precisa assumir algumas mudanças em si e em seus comportamentos. E, simplesmente, no fundo, ela não quer. Não quer se dar ao trabalho. Porque tudo isso custa esforço, subverte hábitos, questiona crenças, arranca do comodismo.





Amar é um trabalho. Significa que uma relação (de verdade) não pode ser usada como um meio de gratificação pessoal. Para isso há parques diversão, drogas, filmes, viagens, carros poderosos e todo um rol de opções que servem como muletas para aguentar a dor do viver. O amor não cai nesta categoria. Talvez é por isso que tantas pessoas hoje "ficam". Enquanto muitas outras enchem o ar à sua volta de "te amos", que se assemelham às produções áreas espontâneas do corpo, com a diferença que cheiram melhor. Entretanto, ambas possuem o mesmo "valor de mercado": zero.
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