"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A sexualidade no contexto da modernidade líquida


Anderson Cristiano da Costa



Como nos ensina o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos numa era fluída, num tempo líquido, onde não existe mais espaço para a solidez. A modernidade líquida pode ser compreendida então como um tempo da volatilidade, onde nada é durável, nada é estável, inclusive, as relações humanas. Assim, as mudanças cada vez mais rápidas apresentam-se como uma das características mais marcantes desse nosso tempo.

A solidez não é mais uma característica interessante atualmente, visto que dificulta as mudanças, torna tediosa a convivência diária, pois tem a capacidade de teimar em não ceder aos imperativos que buscam a todo custo empurrar os indivíduos para os caminhos da ambivalência, instantaneidade, precariedade, vulnerabilidade e consumismo.





Num mundo frágil e imediatista, os laços humanos se constituem precariamente. A fluidez da Modernidade Líquida se revela através da vulnerabilidade, instantaneidade, efemeridade e precariedade das relações humanas. As pessoas estão desconectadas, sem redes de relação de apoio, sentindo-se perdidas e necessitadas de criar laços afetivos. (NOGUEIRA, 2006, p.22).





O ser humano é um individuo que busca relações, contudo, na modernidade líquida, ele se vê desconectado, desamarrado de uma rede de apoio, livre para movimentar-se da mesma forma que os fluidos. Marcado pela ambivalência e imediatismo, ele se tornou prisioneiro da angústia, já que existe à sua frente um universo de possibilidades, sendo livre para se movimentar no meio delas, o que torna muito difícil escolher a “melhor” opção. Mas o sujeito busca uma forma de criar laços afetivos para aplacar seu sentimento de solidão e medo. Não obstante, como é marcando pela ambivalência e liquidez, os laços afetivos que busca construir são frouxos, pois o ser humano líquido (líquido sim, pois é um indivíduo que faz parte de um tempo líquido, que escorre e muda constantemente numa grande velocidade) evita tudo que é sólido e que possa durar. Essa sua posição ambivalente, de querer um laço, mas ao mesmo tempo não querer ficar preso ao mesmo, impede que esse sujeito se esforce para manter a continuidade, a durabilidade das relações.

Estabelecer laços duradouros exige sacrifícios, e pode significar também a perda de outras oportunidades. Como o ser humano líquido é imediatista, ávido por prazer, ele então migra de uma relação para outra em busca do maior ganho, contudo, o próximo laço é tão frouxo quanto o anterior, e logo se torna tedioso, exigindo então o retorno à busca incessante. No caso da sexualidade — fenômeno inerente ao ser humano — essa fluidez se apresenta marcante. Os indivíduos buscam um no outro o prazer imediato, o que se configura como um laço frouxo e ligeiro.

A sexualidade humana não deve ser entendida somente no sentido do ato sexual em si, mas como um conjunto complexo de atitudes, hábitos, impulsos e ações que visa o estabelecimento de relações com outras pessoas. O ato sexual faz parte da sexualidade, mas a sexualidade não é somente o ato sexual, o coito. Contudo, na modernidade líquida, a sexualidade quase sempre é entendida como ato sexual simplesmente. Assim, muitas vezes, o outro (a outra pessoa) é percebida como uma fonte de prazer, como um objeto capaz de proporcionar prazer imediato, algo capaz de satisfazer os desejos inflamados pelo discurso da cultura líquida consumista — discurso que é veiculado muito eficientemente pelas diversas mídias. Assim, fundou-se um mercado sexual, onde a idéia do descartável reina, onde o outro é um objeto que pode ser utilizado para obter prazer — e que posteriormente pode ser descartado sem maiores problemas.

O imediatismo, a busca pelo prazer e pelas relações fluidas, exige dos indivíduos uma constante mudança: mudança de parceiro, mudança de valores etc. Dessa forma, cada pessoa, para participar do mercado sexual, necessita “[...] aproveitar bem as cartas de que se dispõe. (BAUMAN, 1998, p. 56), ou seja, é preciso utilizar com perícia aquilo que se tem à mão — dinheiro, cirurgias estéticas etc. — para conseguir satisfazer seus desejos e necessidades. Os indivíduos buscam então relações que proporcionem satisfação imediata dos desejos e, uma vez numa relação, é preciso evitar criar laços sólidos, pois isso significaria a perda da liberdade, o que, conseqüentemente, levaria a perda de outras oportunidades mais satisfatórias e prazerosas. Migra-se então de uma relação para outra, evita-se o tédio, busca-se um coquetel de fortes emoções. Contudo, essa fluidez provoca insegurança e angústia, pois são tantas as opções no grande mercado, e tudo é tão descartável, que, ao mesmo tempo em que se busca a liberdade de movimento, um medo de ser descartado, de não ter um ponto de apoio, de não ser amparado quando de uma dificuldade, apodera-se da individualidade, e chega a provocar os maiores temores, levando o sujeito a procurar ainda mais satisfação, para então despistar a angústia que se apoderou de si. Mas, curiosamente, quanto mais procura, quanto mais estabelece laços frouxos, mais inseguro e angustiado se torna. Falta-lhe a segurança do sólido, dos laços duradouros.

Como tudo na modernidade líquida é encarado da mesma forma como é encarado os bens de consumo, a sexualidade também é regulada pelas leis do mercado “[...] que disseminam imperativos de bem-estar, prazer e satisfação imediata de todos os desejos.” (NOGUEIRA, 2006, p.14). Dessa maneira, os laços afetivos duram até quando oferecerem a possibilidade de satisfazer os desejos instantaneamente. O corpo do outro é visto então como uma espécie de playground, algo que pode ser desfrutado e depois abandonado quando o tédio se instalar — ou quando outra oportunidade mais interessante despontar no horizonte.

Enfim, a sexualidade na modernidade líquida não foge das regras do mercado capitalista, tudo é regido pelo imperativo do consumo, efemeridade, precariedade e liquidez. Contudo, a falta de laços sólidos promove a insegurança e a angústia. O ser humano destes tempos líquidos é inseguro, intranqüilo, e busca incessantemente algo que não sabe o que é, e mergulha no consumo e nas relações fluidas, atendendo aos discursos de um sistema insaciável — o sistema capitalista. Os laços humanos estão cada vez mais frouxos, mais instáveis, carregados de incertezas e intolerância.

 


Referências

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. 272p.

NOGUEIRA, Cristiane Santos de Souza. Novas formas de lidar com o processo da separação conjugal da modernidade líquida. 2006. 143f. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Curso de Mestrado em Psicologia. Disponível em: < http://www.sistemas.pucminas.br/BDP/SilverStream/Pages/pg_ConsItem.html>. Acesso em: 10 abr. 2011.




Anderson Cristiano da Costa

Graduando em Psicologia, poeta e contista

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