"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

sábado, 28 de maio de 2011

Projeção

[Parte de um texto do autor Hans Bürki]

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Projeção.

A Psicologia descobriu, ou melhor, redescobriu a tendência que é denominada projeção_ a capacidade que o ser humano tem de fazer imagens mentais. Somos capazes não só de fazer imagens, mas precisamos fazê-las. Se hoje em dia parece existir menos imaginação, é porque ela tem sido reprimida. O fato de que é essencial para o homem projetar imagens pode ser melhor demonstrado pelo fato dele sonhar.

Nos sonhos reproduzimos nossas vidas em termos de símbolos e imagens. Estudos extensivos têm sido feitos sobre as reações de uma pessoa adormecida que é perturbada, sem ser acordada, toda vez que se encontra a ponto de sonhar. Depois de alguns dias essa pessoa, que não consegue sonhar, começa a ficar nervosa e, após umas duas semanas, chega bem próxima de um esgotamento nervoso, ás margens da doença mental. Isto mostra quão essencial é para o homem a atividade imaginativa. (…) Nosso subconsciente vive através de imagens, e tais imagens simbolizam acontecimentos reais, “interpretando” ou “corrigindo” nossas experiências diárias. Posso sonhar com um cisne branco, isso pode ser uma projeção, uma imagem simbólica do meu ser.

O Poder da Projeção Precisa ser Aperfeiçoado.

(…) O poder da projeção é um instrumento neutro da alma, que pode ser usado corretamente ou, então, mal usado. A projeção não deve e não pode ser eliminada, deve ser purificada.

Ilustraremos como tal processo pode se dar, sevindo-nos do que se denomina a “projeção animus-anima”. Todo homem, como um “animus”, possui a imagem interna de uma “anima” (a imagem interna de uma mulher). Toda mulher, como “anima”, tem a projeção de um “animus”. Como é que tais “imagens” foram formadas? A primeira experiência masculina da “anima” é sua mãe. Depois, suas irmãs, amigas de escola, professoras e todas as mulheres com quem tenha se encontrado desde a mais tenra infância, e todas as experiências negativas e positivas que tenha tido com relação a essas mulheres, e que fizeram adições a essa imagem. Jung iria mais além, dizendo que todas as experiências com mulheres em épocas e culturas passadas_sociedades matriarcais, até mesmo deuses_ deixaram o seu efeito, juntamente com as experiências pessoais.

Tais experiências pessoais provêm até mesmo do período subconsciente no ventre materno, bem como das experiências dos primeiros meses no peito da mãe. Ao lado das experiências históricas e biográficas, há também a experiência pessoal. Aquilo que o homem não é, e não tem, em termos de qualidades pessoais de caráter, ele projeta nessa imagem. É sua “outra metade” que não é cumprida em si mesmo. Todos esses fatores ajudam na formação desta imagem de “anima”.

Esta imagem está nas profundezas dentro de si. Ilustrando, é como se projetasse isso tal como se fosse um projetor cinematográfico focalizando sua luz sobre uma tela. Bem, das mulheres que passam por ele, algumas não lhe despertam nenhuma reação; outras o atraem, e há as que lhe causam uma tremenda reação. É quando se encontra com alguém que corresponde à imagem de sua projeção; e então ele afirma que “se apaixonou à primeira vista”. Achou alguém que se identifica com sua imagem. Isso lhe dá grande prazer. Na realidade ele não se encontrou com esta moça, mas tão somente com sua projeção dela, isto é, sua própria imagem. E fica fascinado porque se vê a si próprio completo, num todo unificado.

É verdade que este tipo de amor é cego, porque a pessoa fecha a mente e então sonha, vendo sua imagem da moça, porém não a ela própria. A sua questão é ainda mais complicada porque há duas telas. A moça, de igual modo, também está projetando o seu “animus”. Então, as duas projeções se encontram. Eles começam a se gostar e apaixonam-se. (Uma complicação adicional é que cada um tem também uma projeção de seu ideal do outro sexo_ o que deveria fazer e ser_ e estes conceitos também podem ser irreais.)

Como é que os dois podem chegar a se ver objetivamente? Apenas através da desilusão. Se ela continuamente não se comportar como ele espera, então ele tem duas alternativas. Pode dizer: “Ela não é a pessoa certa para mim, pois que não é como a minha “anima” e somente a minha imagem de mulher é adequada para mim”. A outra alternativa é duvidar da objetividade da projeção, reconhecendo a “anima” como irreal.

Conheço um homem bem culto que é uma pessoa muito intelectual e complicada. Certa vez me disse: “Sabe, fiquei conhecendo uma moça que me atrai muito”. Respondi-lhe: “Muito bem; que tipo de moça ela é?” Respondeu-me: Sabe, ela é tudo por quanto tenho ansiado. Ela me completa” Disse-lhe: “Qual é a profissão dela? O que ela faz?” Foi então que ele se mostrou um tanto embaraçado e me respondeu: “Ela só tem o curso primário; é tão simples e tão natural…ela é justamente tudo aquilo de que eu preciso”. Minha resposta foi: “Não seja ingênuo: isso poderia ser muito bom para um ou dois fins de semana, mas seria um desastre para toda a vida”! Este é um exemplo perfeito de identificação com a projeção de alguém. Porque ele é complicado, ele “ama” alguém muito simples. Outro exemplo é a projeção da “virgem pura”. Em vista de um homem sentir-se impuro, deseja encontrar uma moça pura. Cria uma imagem de tal pureza que ela não é mais uma mulher, mas sim um tipo de anjo, um ser que não vive na terra, mas no céu. Esse mesmo homem pode procurar prostitutas, tendo ao mesmo tempo esta projeção de uma mulher irreal, angélica, religiosa.

Tudo isso se aplica não somente ao amor e ao casamento, mas a todas as nossas relações humanas. Chamamos amigos aos homens e mulheres que se encaixam em nossas projeções. Damos-lhes atributos positivos. Os que não estão de acordo com as nossas imagens, que agem de modo contrario a nossas projeções, não são dignos de nós; não nos pertencem.

Nossa reação normal é rejeitá-los, por ser este o caminho mais fácil. Entretanto, ao invés disto, deveríamos fazer com que as nossas projeções irrealistas fossem quebradas e purificadas.

É muito importante que nos encontremos uns com os outros porque assim as nossas projeções se testam. Este encontro com os outros cria conflitos em nossas experiências. Os outros não se comportam como desejamos, e ficamos desapontados. Além disso, os outros projetam suas imagens em nós, e sentimos que não somos compreendidos. Sentimos que não podemos explicar quem somos e o que na realidade pensamos. A outra pessoa já possui sua imagem de mim e identificou-me com a sua própria imagem. Esta é uma das dificuldades fundamentais em todas as nossas relações uns com os outros. Será que na realidade nos encontramos uns com os outros? Haverá um encontro real? Ou será que só nossas projeções se encontram?

Vejamos uma outra ilustração. Todos nós temos uma projeção em relação a nosso pai ou mãe, projeção essa que determina bastante o tipo de pessoa do sexo oposto que acharemos atraentes. Se não pudermos nos desfazer desta projeção de nosso pai ou mãe, estaremos correndo o perigo de nos casarmos com as projeções dos mesmos. (…) É fácil fazermos isso externamente falando, porém é muito difícil livrarmo-nos deles, interiormente falando, deixando essas projeções. Geralmente a nossa primeira imagem de nossos pais é a de duas pessoas perfeitas. Ficamos grandemente conturbados quando, talvez ainda bem cedo na vida, constatamos certa falha neles. Nossa projeção fica em pedaços. À medida que crescemos, vemos ainda outras novas falhas em nossos pais. Podemos ter uma dentre duas diferentes reações. Inconscientemente podemos começar a desprezá-los. Muitos jovens odeiam a seus pais. Não se permitem dizer isso abertamente, porém há sempre uma grande tensão entre eles. Trocam palavras fortes com seus pais, e estão em conflito. A outra possibilidade é limitar ou quebrar a projeção. Reconheço, então, que meus pais são seres humanos como eu. Se eu mesmo não sou perfeito, por que eles deveriam ser? Se eu me permito ter certas imperfeições e fraquezas, por que não as deveriam ter eles também?

(…)

Se não pudermos desenvolver esta segunda atitude, nunca nos libertaremos da imagem dos nossos pais. Há muita gente, pessoas mais moças e de mais velhas que, com toda a violência, reagem contra seus pais e, ao fazerem isso, provam que ainda estão ligados a eles. Só quando desenvolverem a atitude de companheiros e amigos é que poderão ficar livres. Isto é algo que uma pessoa precisa praticar durante certo tempo.

[Parte de um texto do autor Hans Bürki]

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