"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

sábado, 28 de maio de 2011

Problemas com a auto-estima


                                                                                       Por Paul C. Vitz

A teoria da auto-estima, com a qual tanta gente hoje em dia parece estar obcecada, prevê que só as pessoas que se sentem bem consigo próprias é que se darão bem (talvez seja por isso que todos estudantes a adotam). Contudo, não há nenhuma pesquisa que lhe dê suporte.



Palestra dada por Paul C. Vitz em New Westminster, British Columbia (Canadá) em 29 de setembro de 1995.









A maior e mais conhecida parte da psicologia nos Estados Unidos é, hoje, a psicologia popular da auto-estima (self-esteem), que pode ser encontrada em todas as esferas da sociedade americana. A auto-estima, e a obsessão que muitos têm por ela, é familiar a quase todos nós atualmente. Ela influencia o currículo escolar de inúmeras crianças, uma vez que essa idéia – um ideal, na verdade – foi assumida e aplicada principalmente pelos educadores.

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O conceito de auto-estima não tem origens históricas claras ou óbvias. Nenhum grande teórico da psicologia fez dele o seu ponto central, embora muitos psicólogos tinham enfatizado o “eu” (self) de diversas maneiras, pondo que o foco central na auto-realização ou na concretização do próprio potencial. Isso torna difícil rastrear a fonte da ênfase que lhe é dada. Aparentemente, essa preocupação tão difundida é um produto destilado do interesse pelo “eu” que se encontra em tantas correntes da psicologia. A auto-estima parece ser o denominador comum entre os escritos de teóricos tão distintos como Abraham Maslow, Carl Rogers, os partidários da força do ego e, mais recentemente, os educadores morais. Seja como for, a preocupação com a auto-estima paira hoje sobre todos os lugares dos Estados Unidos. É, contudo, mais fácil de ser encontrada no mundo da educação: nos professores universitários de pedagogia, nos departamentos de ensino, nos diretores e nos professores de escola, e até nos programas educativos, especialmente os que têm por objeto a educação pré-escolar, como o programa “Vila Sésamo”.



O auto-apreço (self worth), que é um sentimento de respeito e confiança em si mesmo, possui um mérito que veremos em breve. Mas é algo muito diferente de uma auto-estima egocêntrica, do tipo “deixe eu me sentir bem”, que nos leva a ignorar os nossos defeitos e a nossa necessidade de Deus. O que há de errado nesse conceito? Muita coisa, e na sua própria essência. Foram feitos milhares de estudos psicológicos sobre a matéria. O termo auto-estima é freqüentemente confundido e misturado com outros, usado como rótulo para diversos aspectos que vão da auto-imagem (self image), à auto-aceitação (self acceptance), ao auto-apreço, ao amor próprio (self love), à auto-confiança (self trust), etc. No fim das contas, não existe nenhum acordo sobre como definir e aferir esse conceito. Mas, o que quer que signifique, não há nenhuma evidência confiável de que signifique muita coisa.



Para já, não há nenhuma evidência segura de que uma alta auto-estima produza efeitos reais. Na verdade, muita gente com a auto-estima baixa obteve bastante sucesso nas suas atividades. Gloria Steinem, por exemplo, autora de muitos livros e uma importante líder do movimento feminista, revelou recentemente numa longa passagem de uma das suas obras que sofria de baixa auto-estima. Por outro lado, há muitas pessoas com alta auto-estima que são felizes simplesmente por serem ricas, bonitas ou bem relacionadas. Outro grupo de pessoas com alta auto-estima é o dos traficantes de droga das grandes cidades, que geralmente se sentem muito bem consigo próprios: afinal, conseguiram ganhar muito dinheiro num ambiente hostil e competitivo.



Um estudo de 1989 comparou os conhecimentos matemáticos de estudantes de oito países. Os norte-americanos ficaram na última posição, enquanto os coreanos alcançaram a primeira. Mas os pesquisadores também pediram aos alunos que eles próprios avaliassem até que ponto eram bons em matemática. Os norte-americanos ficaram em primeiro lugar e os coreanos em último. A auto-estima matemática estava numa relação inversamente proporcional com o conhecimento matemático real. Este é certamente um exemplo de como a psicologia do “sinta-se bem” não permite aos estudantes uma percepção clara da realidade. A teoria da auto-estima prevê que somente quem se sente bem consigo mesmo alcançará o sucesso, o que supostamente faz com que todos os estudantes precisem dela. Mas, na prática, sentir-se bem consigo mesmo pode simplesmente fazer você demasiado confiante, narcisista e incapaz de trabalhar duro.



Não quero dizer que uma alta auto-estima afete sempre negativamente a performance das pessoas. A pesquisa acima mostra que não se pode afirmar com certeza que os níveis de auto-estima influenciam o comportamento, quer positiva quer negativamente. Isso deve-se em parte ao fato de a vida ser complicada demais para que uma idéia tão simples possa ser de alguma valia.



Todos já ouvimos falar de pessoas que são impelidas por inseguranças e dúvidas sobre si mesmas (self doubts). Essas pessoas são sempre os heróis ou os vilões da história. A prevalência de homens de baixa estatura na história dos feitos militares fanáticos está bem documentada. Júlio César, Napoleão, Hitler e Stalin foram homens baixos decididos a provar que eram grandes. Muitos atletas notáveis tiveram de superar graves deficiências físicas e falta de auto-estima. Poderíamos designar esse fenômeno como “efeito Demóstenes”, por referência do célebre orador grego que tinha problemas de fala e superou o seu defeito depois de muitos treinos em que se esforçava por falar com pedras na boca.



Muitas das maiores conquistas do homem parecem ter-se originado naquilo que o psicólogo Alfred Adler chamou de complexo de inferioridade. Não é que sentir-se mal a respeito de si mesmo seja bom. O que acontece é que apenas duas coisas podem mudar de verdade a maneira como nos sentimos a nosso respeito: uma verdadeira realização e um verdadeiro amor.



Primeiro, o que afeta as nossas atitudes são as realizações no mundo de verdade. Uma criança que aprende a ler, que aprende matemática, que consegue tocar piano ou jogar bola, essa criança terá um sentido de realização autêntico e um sentido de auto-estima apropriado. As escolas que falham em ensinar a ler, escrever e fazer contas corrompem a verdadeira compreensão da auto-estima. Quem causa esses problemas são os educadores que dizem: “Não os avalie; não os rotule. Você deve fazer com que eles sintam-se bem consigo mesmos”. Não faz sentido que os alunos estejam cheios de auto-estima se não aprenderam nada. A realidade em breve vai destruir as suas ilusões e eles terão de enfrentar dois fatos perturbadores: a) que são ignorantes; b) que os adultos responsáveis por ensiná-los mentiram para eles. No mundo real, o louvor deve ser a recompensa por algo realmente meritório. O louvor deve estar ligado à realidade.



Há uma maneira ainda mais fundamental de desenvolver uma auto-estima autêntica, na verdade sentimentos de auto-apreço ou o que os psicólogos chamam de “confiança básica” (basic trust). Esses sentimentos vêm pela recepção de amor.



Em primeiro lugar, está normalmente o amor materno. Essa experiência fundacional do amor não pode ser fingida. Os professores confundem a natureza desse amor quando tentam criar essa emoção profunda e estimulante fingindo amar todos os seus alunos por uma hora ou por um dia, e quando os elogiam indiscriminadamente. O amor dos pais simplesmente não pode ser manufaturado por um professor em poucos minutos diários de interação. A criança não apenas sabe que tal amor é falso, como também que os professores de verdade ensinam, e que ensinar envolve não apenas elogios, mas disciplina, exigências e reprimendas: amor numa palavra.



Os bons professores demonstram o seu amor quando se importam suficientemente com os alunos para discipliná-los. Assim, na maioria das escolas norte-americanas, os melhores professores e mais admirados são os professores de educação física. Eles ensinam, mas esperam desempenho e raramente preocupam-se com a auto-estima. Uma das melhores coisas que podem acontecer a um jogador de futebol aspirante é ser cortado do time, porque assim irá atrás das coisas para as quais leva jeito. Em vez de desperdiçar anos cruciais da sua vida lutando para ser um atacante de quinta categoria, pode tornar-se um golfista, um matemático ou um artista de primeira. Descobrimos muitas coisas na vida pelo processo de eliminação. E devemos esperar que os nossos professores nos eliminem das áreas em que não vamos bem, para assim podermos encontrar uma área que realmente seja a nossa.



Problemas similares surgem entre aqueles que tentam levantar a sua baixa auto-estima à força de dialogar carinhosamente com a sua criança interior ou outro tipo de “eu interior” inseguro. Tais tentativas estão fadadas ao insucesso por duas razões. Primeiro: se estamos inseguros acerca do nosso auto-apreço, como podemos acreditar nos auto-elogios? Pense nisto. Se você acha que não vale muita coisa, como pode dizer a si mesmo que vale e acreditar nisso? A realidade tem de entrar em jogo, sob a forma de uma verdadeira realização ou então do amor que os outros têm por nós. Assim os elogios terão alguma base. Do contrário, serão apenas um pequeno narcótico psicológico. Segundo: tal como as crianças, sabemos da necessidade de auto-disciplina e de realizações. Em poucas palavras, a auto-estima deveria ser entendida como uma reação, não como uma causa. É principalmente uma resposta emocional àquilo que nós e os outros fizemos a nós mesmos. Embora seja um sentimento ou um estado interno desejável, como a felicidade, não tem muitos efeitos. E tal como a felicidade e o amor, a auto-estima é quase impossível de ser alcançada quando se tenta obtê-la. Tente obter auto-estima e você provavelmente falhará; faça o bem aos outros e realize algo de valor na sua vida e terá tudo o que precisa.



O tema da auto-estima é vital para os cristãos. Por um lado, porque muitos deles estão excessivamente preocupados com isso; por outro, porque se tem dado muita ênfase à recuperação da auto-estima, particularmente nas igrejas protestantes. Devemos notar, contudo, que o conceito de auto-estima é profundamente secular e que, em princípio, não diz respeito aos cristãos. Não lhes diz respeito porque não precisam disso. Os cristãos devem ter um tremendo sentido de auto-apreço. Deus nos fez à sua imagem e semelhança, ama-nos, enviou o seu Filho para salvar cada um de nós. O nosso destino é estar com Deus para sempre. Cada um de nós tem tanto valor que os anjos se alegram por cada pecador que se arrepende.



Por outro lado, não temos nada de pessoal de que nos orgulhar. A vida e todos os nossos talentos foram-nos dados, e não passamos de pobres pecadores. Não há razão teológica para pensar que os ricos, os bem sucedidos ou as pessoas de alta auto-estima recebam mais favores de Deus e tenham mais chances de atingir o Céu. Na verdade, bem-aventurados os humildes, os mansos.



Além disso, a auto-estima baseia-se no conceito bem americano de que cada um de nós é responsável pela sua própria felicidade e por isso, do ponto de vista cristão, tem um efeito sutil e negativo: pode levar-nos a buscar a felicidade mais do que buscar Deus.



A auto-estima tornou-se importante hoje por ser considerada essencial à felicidade. “Você não será feliz se não se amar a si próprio”, dizem. Mas afirmar que devemos amar-nos a nós mesmos, que Deus não nos vai amar tanto quanto precisamos, é uma forma de ateísmo prático. Dizemos acreditar em Deus, mas não confiamos nele. Há muitos cristãos que adotam um lema nada bíblico para as suas vidas: “Deus ama aqueles que se amam a si próprios”.



Outro problema é o fato de os cristãos terem começado a usar a baixa auto-estima como desculpa para comportamento ruins ou destrutivos. Acontece que a auto-estima, baixa ou alta, não determina os nossos atos. Nós é que somos os responsáveis por eles, por tentar fazer o bem e evitar o mal. A baixa auto-estima não torna uma pessoa alcoólatra nem apta para reconhecer o seu vício. Ambas as decisões cabem-nos a nós, independentemente do nosso nível de auto-estima.



Por fim, todo esse foco em nós mesmos alimenta um amor pouco realista por nós mesmos, que os psicólogos costumam chamar de narcisismo. Pensávamos que os Estados Unidos já tiveram problemas suficientes com o narcisismo nas décadas de 1970, com a me generation, e de 1980, com os yuppies. Hoje, a busca pela auto-estima é puramente a mais nova expressão da velha egomania americana.



Pôr cara sorridente a cada dever de casa que as crianças entregam, simplesmente pelo fato de o entregarem, ou conceder-lhes troféus apenas por estarem no time são bajulações do tipo daquelas que há décadas estão presentes nos nosso bordões comerciais: “Você merece uma folga”, “Você é o chefe”, “A gente faz do seu jeito”. Tamanho amor próprio é uma manifestação extrema da psicologia individualista que por muito tempo vem sendo apoiada pelo consumismo, e que também é reforçada pelos nossos educadores, que gratificam até as mais jovens crianças com mantras repetitivos do tipo: “Você é a pessoa mais importante do mundo”.



Essa ênfase narcisista em si mesmo, que na sociedade americana se dá sobretudo na educação, mas também na religião, é uma forma disfarçada de egolatria. Se levada a sério, os Estados Unidos teriam “os trezentos milhões de pessoas mais importantes do mundo inteiro”. Trezentos milhões de “eus” dourados. Se tal idolatria não fosse tão perigosa para a sociedade, seria vergonhosa, patética até. Esperemos que o senso comum inicie uma reação.







Paul C. Vitz

Ph.D. pela Universidade de Stanford (1962), professor emérito de Psicologia da Universidade de Nova York e professor adjunto do John Paul II Institute for Marriage and Family (Washington, D.C.). É autor de quatro livros, entre os quais estão «Psychology as Religion: The Cult of Self-Worship» (“A psicologia como religião: a egolatria”) e «Faith of the Fatherless: The Psychology of Atheism» (“A fé dos órfãos: psicologia do ateísmo”).





Fonte: Catholic Educator´s Resource Center

Link: http://catholiceducation.org/articles/education/ed0001.html

Tradução: Quadrante

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