"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Adaptação feminina letal


Adriana Tanese Nogueira


Um dos problemas com nós, seres humanos, é nossa aparentemente infinita capacidade de adaptação. Mesmo em situações prejudiciais, onde perdeu-se o sentido das coisas, é possível ir aguentando e "se adaptando" à realidade que se vive, sem se rebelar. Vários fatores convergem para manter o status quo. Entre eles há o medo da mudança e a falta de auto-confiança.





Há experiência que, através da constante erosão, consomem nossa auto-estima e nos tornam como larvas, boiando pela vida sem rumo, à mercê das vontades alheias. É o que ocorre com mulheres que vivem em total dependência de seus homens. O estado de dependência não é somente financeiro, como também mental e psicológico. Ela o acredita inteligente, logo o respeita, quando na verdade a inteligência dele consiste em intransigência, aquela convicção que se possui quando se acredita ser representantes de alguma lei divina, ao mesmo tempo em que se tem outra pessoa nas mãos.





O estado de escravidão ao qual a mulher chega é mascarado pelos confortos que ele lhe providencia, sendo um deles o de poupá-la de pensar. Todas as decisões são tomadas por ele, porque "é assim que há de ser". Por exigir um esforço mental e emocional, a tomada de decisão é transferida para ele, evitando a ela o desgaste de poder errar, ou, Deus não queira!, de confrontar-se com ele. Lentamente, as faculdades intelectivas dela são afogadas e a vida feminina corre entre filhos, casa e comida.





O espaço conhecido e seguro do lar passa a se tornar a única referência da mulher, o que aumenta o medo do mundo externo e, consequentemente, fortalece o domínio dele, empobrecendo a autoestima dela. Como uma filha, ela vive trancada em casa. Ela pode sair, claro. Pode ir fazer compras, levar e pegar os filhos da escola e sair para as férias que ele organizar e quando ele quiser. Em troca, ela tem roupas bonitas, casa luxuosa e pode comprar bugingangas quando desejar.





Mas ela não pode pensar. Não tem autonomia para decidir sobre a própria vida. Seus filhos a vêem como a mãe-cozinheira, a mãe-arrumadeira, a mulher que faz para eles e por eles. Essa mulher não tem intimidade com os filhos, porque para ter intimidade é preciso ter interioridade. A ausência de pensamento próprio impede que ela tenha a si mesma, tenha sequer contato consigo mesma e com o que ela pensa.



Boiando pela vida ela vai, e começa a esquecer de seu passado. A memória falha, não se lembram experiências importantes. Uma capa é posta por cima de tudo o que não pertence ao presente. A identidade da mulher lentamente se dissolve, se apaga por falta de uso. O presente é feito dos afazeres domésticos que rodam em torno dos filhos e sobretudo do marido. O patriarca, dono da residência, é a luz para a qual todos olham. Cabe a ela agradá-lo e fazer conforme ele mandar. Se ela se rebelar, brigas intermináveis e caras feias a desgastam. Só e fraca, ela abaixa a cabeça e se dedica ao presente.



Um presente sem passado, que se repete igual. Um presente que exige dela obediência, repetição e acefalia. Ela não precisa pensar. Não tem o que pensar. Pensar tornaria a realidade insuportável. Aparentemente, sem alternativas, ela cala, consente e segue adiante, tela vazia aberta às projeções e vontades dele.
 

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