Os índios Kayapó, sabiamente, denominam “pe-o caprin” o papel-moeda
utilizado pelo homem civilizado. “Pe-o caprin” significa “folhas tristes”.
Geralmente a felicidade do homem civilizado se confunde, de algum modo,
com o acúmulo das “folhas tristes”, ignorando qualquer outro bem que esteja
dissociado disso. Mas se o dinheiro é chamado de “folha triste” pelos Kayapó, é
porque ele reproduz infelicidade, assassina as relações afetivas, desencoraja os
homens a serem fortes e guerreiros, tornando-os mesquinhos e inconfiáveis –
com efeito, tudo isto chega a colocar em risco a existência das próximas
gerações. É o espírito triste que envenena o macromundo, que dissemina a
forma-Estado, que se submete à Igreja e ao capital, que guerreia entre si por
causa da “folha triste”... Mas os micromundos são impossíveis de serem
envenenados, são dominadores desde sempre, e são eles que podem nos redimir
do entristecimento e da “vergonha de ser um homem”: a felicidade que
provém da criação, que é fruto da nossa aliança com os micromundos, é a
nossa maior arma para resistirmos à captura da vida singular pelos sujeitos
entristecidos. Chamamos de singularidades criadoras as existências que têm
consciência de que jamais irão se repetir, e que por isso se tornam fortes,
corajosas e autodeterminadas, cuja tarefa de obrar sentem com grande orgulho
e felicidade. As singularidades criadoras rompem com o senso comum, lutam
para não serem capturadas pelo julgamento dos que querem introduzir nas
suas consciências a vergonha de serem... singulares. Viver de modo feliz com a
sua própria singularidade é uma conquista árdua, pois implica renascimentos e
pontapés nos reprodutores de infelicidade – estes, por não compreenderem o
que é um espírito alegre, estão inevitavelmente inclinados à inveja e ao ódio.
Através da experiência da felicidade temos a liberdade de matar a vontade de
acumular as “folhas tristes”, de matar a crença na imortalidade da alma e
também os temores que são difundidos todos os dias pelos homens-tristes-queinteriorizaram-
o-Estado... Sentimos, através de uma certeza alegre, que não
somos um pedaço de matéria insignificante no universo, mas uma vida
singular que se alegra por, justamente, ser única. Portanto, o Universo, o Todo,
o Absoluto, seja o nome que quisermos dar para isto que nunca deixaremos de
ser, ontem, hoje e sempre, é, para nós, uma realidade eternamente constituída
pela continuidade de singularidades criadoras.
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