Ninguém está destinado à tristeza, assim como também ninguém está
destinado à alegria, pois não existe algo de misterioso que seria a causa desses
afetos, como se a existência de alguém já estivesse determinada a ser de um
jeito ou de outro. Impedidos de existir de acordo com aquilo que é vital (que é
o desejo de amar e de ser generoso), os indivíduos entristecidos certamente
têm consciência daquilo que os atormenta – isso eles sentem, ninguém precisa
convencê-los do seu cansaço. Diante dos valores estabelecidos, fazer parte do
jogo imundo que reproduz a tristeza de outras pessoas parece ser, para a
maioria, a melhor opção para administrar a crise que dominou a própria
existência. Procura-se, apenas, tolerar a crise que é existir. Por isso que, para
nós, trata-se de um entristecimento tolerado. Os conluios entre políticos,
empresários, juízes e intelectuais ocorrem simplesmente porque eles estão
tristes – por serem facilmente corrompidos, não podemos nos espantar que eles
queiram cada vez mais o poder, seja na mídia ou no Estado, onde sentem-se à
vontade para vomitar suas mazelas com o microfone e uma coluna de jornal
nas mãos, abastecidos financeiramente por quem tem o interesse em
disseminar o ódio através deles. Criticam porque estão amargos e tristes, e
estão tristes porque não criam (Godard já dizia que uma crítica será sempre
inferior à criação artística), e não podem criar enquanto são ignorantes das
causas do seu entristecimento, pois, afinal, imaginam que é impossível viver
sem a organização exterior de horários, deveres e títulos que multiplicam a sua
tristeza... Muitos jovens incautos são contaminados por quem quer demonstrar
erudição e grande capacidade de articular ideias. São os que falam sobre tudo,
uma verborragia sem limites, um pedantismo que parece ser incurável. A
inteligência seduz e captura, e isso é demonstrado todos os dias... Os sujeitos
tristes precisam mentir e mentir para continuar a enganar a si mesmos;
precisam roubar e roubar para continuar com a sua própria existência roubada;
precisam acusar e acusar para continuar a esconder aquilo que fariam os outros
sentirem nojo deles. Eles precisam de polícia, precisam também de narcóticos,
precisam também de bajuladores, precisam também disso e mais isso... Sempre
falta algo para eles não se entristecerem demais. Não há mistério: indivíduos
tristes precisam de capitalismo, de Estado, de “juízo final” e “salvação da
alma”. Ninguém é conservador e fascista por opção, mas por existir de modo
entristecido...Porém, para reforçar o que dissemos no início: ninguém está
destinado à tristeza...
Amauri Ferreira - Aforismo II
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