"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Saber sofrer

Adriana Tanese Nogueira

Ninguém gosta de sofrer, e nem eu. Entretanto, às vezes é essencial saber viver o pathos, ou seja receber o golpe, admitir a dor e ficar com ela. 'Pathos' vem do grego antigo e significa sentir, ou melhor padecer. Para os gregos mesmo emoções positivas são 'sofridas' porque emoção é algo que não controlamos, nos pega, nos tira da zona de conforto, do controle da razão. Sentir é consentir, experimentando algo nos penetrar sem pedir licença, descambalhando nossa rotina. Mas pior do que sentir é sentir o sofrimento.







É possível fugir da dor antes mesmo de senti-la. Existe uma espécie de sensor esperto na psique, um radar que registra sinais mínimos abaixo do limiar da consciência e prontamente reage a eles. Eventos desagradáveis, verdades que não se queriam que existessem, descobertas amargas são captadas numa fração de segundo e estimulam a imediata fuga do ego. O ego foge para não encarar, o que o levaria a se dar conta de algo que prefere não ver. Evitar a tomada consciência é fundamental para manter o status quo, porque depois que se é consciente de algo não se pode mais fazer de conta. A consciência encadeia, não há nada mais efetivo do que se enxergar.





Para esquivar-se do impacto com o que dói se faz barulho e muito agito, deslocando a angústia e ansiedade para situações menores e menos comprometedoras (estratégia psíquica esta apontada pela primeira vez por Freud no seu Interpretação dos Sonhos de 1899, levantando um alvoroço que serve para despistar (a si próprios) do encarar o que foi percebido. Essa reação resulta da imaturidade e do medo.





Saber sofrer corresponde a deixar cair o telão e descortinar o que é que estiver por trás. Sofrer às vezes é como tomar um remédio amargo. É desagradável, pode ser intragável. Mas, uma vez que o aceitamos e desce, some, e podemos retomar nossa vida, geralmente mais leves do que antes. Com certeza mas maduros.





Dói enxergar que o pai que amamos nos prejudicou, sem saber, sem querer, mas fez. Dói se dar conta que a mãe traiu, sem saber, sem querer, mas fez. Dói encarar que a promessa implícita foi quebrada porque a vida mudou e levou. Dói identificar a insensibilidade e a inveja onde se acreditava estar pisando em terreno seguro. Enfim, dói se dar conta que as pessoas que amamos ou que consideramos amigas não são exatamente como imaginávamos, ou melhor não o são mesmo.





Saber sofrer é aceitar a desfeita das crenças do ego, de suas fantasias e manias de potências. Saber sofrer é lembrar-se de que somos também pequenos e não sabemos muita coisa. É reconhecer que o mundo, a verdade, o todo é maior do que nós e que algo foi vencido. Algo precisa ficar para trás, é a criança que foge do dodói.
 

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...