"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

sábado, 12 de novembro de 2011

Divã (2009): a inutilidade global


Uma mulher vai ao analista, diz ela que não tem problemas mas começa a contar sua história. Obviamente, toda vida carrega dores e amores, rotinas e perguntas, problemas e alegrias. Nada de particularmente dramático está na vida de Mercedes, a protagonista, a não ser aquilo que todos nós procuramos: um sentido. Um razão das coisas serem como são, da gente sentir o que sente ou não sentir o que acha que deveria sentir. Sentido para aquilo que não tem nome e para aquilo que se desconhece mas que pulsa dentro, incomoda, empurra. Mercedes busca entender-se e entender sua vida. Mas esse assunto não é jamais tratado. Mercedes fala sozinha para um analista impessoal.





No filme, a análise não passa de um pretexto para contar uma história previsível e banal, cheia de frases prontas que chegam ao espectador até com rima, ditas por personagens e situações estereotipados. Um casamento em crise, uma mulher reconhecendo os sinais da crise e passando por ela, a traição, a separação, a busca de um namorado em boates, a morte da amiga e o final "feliz" no qual se encontra a "verdade"

da vida, ou seja que não há verdades, nem programas nem planos, é viver o momento... Será? Não será talvez esse o motivo que leva às pessoas à análise? Quando vivem a vida sem saber para onde estão indo?



Se viver o momento é uma qualidade que se alcança ao superar a obsessão pelo controle - característica esta que a protagonista desse filme não apresenta nem mesmo quando descobre que o marido a trai -, se é importante saber-se entregar ao presente, nem esse conceito o filme consegue alcançar porque a "mudança" da protagonista não é verossímil e não tem fundamento na própria história. Não há elementos que monstrem verdadeira transformação da vida, tudo é postiço e previsível. O filme, que trai um contexto cinematográfico de novela da Globo, reduz-se à superfície estética, sem consistência. Ele é para ser degustado somente no paladar, porque não dá para engolir.



Esclarecendo alguns conceitos errôneos que o filme apresenta, analistas não ficam mudos, se ficarem podem se levantar e ir embora. Psicanalistas, psicoterapeutas e psicólogos são seres humanos, exatamente como qualquer outro: têm personalidade, preferências, gênero, gostos, etc. Analistas não são sacerdotes misteriosos que se comunicam com um olhar, que ritualizam gestos e poses, que permanecem alheios ao analisando. Se alguém gostar desse jeito, vá em frente, mas esse não passa de um teatro. Jung não fazia isso. Freud não se comportava assim.



A obrigação ética do analista é a de não manipular a vida do outro e não assumir a vida do outro. Entretanto, não é possível evitar de ser seres humanos com tudo o que isso significa. Não tem como o psicoterapeuta esconder-se por trás de uma máscara porque é máscara então a que ele vai ensinar a quem o procura. E de máscaras já está cheio o mundo.



Psicoterapia é relação. De relação adoecemos e pela relação nos curamos. Grande parte de nós é fruto de relações. A forma como fomos tratados e vistos desde recém-nascidos molda nossa personalidade. Nossos males são resultado de relações mal vividas, pobres, mancas, vazias. Relações essas que se perpetuam dentro de nós, na forma como nos tratamos e consideramos. Psicoterapia é moficar um padrão de relação. Ex.: uma garota responde assim à minha pergunta se sonhou: "Ah, sonhei, mas nada a ver..." Peço que me conte os sonhos e com detalhes. Surge um material onírico importantíssimo. Mostro a ela do que se trata. Ela se sente feliz apesar de ainda não entender direito. Feliz por que? Pergunto. Porque está começando a fazer sentido... O "nada a ver" é como a interioridade é geralmente considerada pela mentalidade comum, uma bobagem sem muita importância, até que ela bombardeia.



Psicoterapia não é monólogo. Pagar para recitar monólogos na frente de outra pessoa é opção individual, mas cabe-me dizer que isso não é psicoterapia. Monólogos já todo mundo faz, na própria cabeça. Todos conhecem aquele falatório interno que chama-se de "pensar", que muitas vezes é repetir esterilmente a mesma coisa mil e uma vez sem sair do lugar. Monólogos não são interessantes. O motor do movimento é o dialogo, a conversa com o outro. Ao aprender uma nova forma de relação com o outro fora de nós, o psicoterapeuta, aprende-se uma nova forma de relação com o que tem dentro de nós.





Lamentável que ao querer ser charmoso e light o filme, afunda na água parada e morna do banal. Direito de quem faz e direito de quem assiste ter produtos como esse no mercado, mas por favor não vamos incluir conceitos que não se dominam. Análise é coisa boa demais para ser usada no circo do consumismo global.
 

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