"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Releitura da Vida à Moda de um Cego

Leonardo Boff
Pelos 70 anos de vida

(...) a velhice é muito mais que sua dimensão biológica. É a última etapa da vida, a chance derradeira que a vida nos oferece para continuar a crescer, chegar a madurar e, por fim, acabar de nascer.
Se bem repararmos, começamos um dia a nascer mas ainda não acabamos de nascer porque ainda não estamos prontos. Estamos sempre na gênese de nós mesmos, trabalhando, sofrendo, nos alegrando, nos frustrando, estabelecendo relações, amando e criando sentidos para a nossa curta passagem por este pequeno planeta. Vamos nascendo lentamente, em prestações até acabar de nascer.
A velhice é a chance última de dar o toque final à estátua que fomos talhando de nós mesmos.
A velhice tem suas vantagens.
Você não precisa usar mais as máscaras que a vida lhe impõe a cada momento. Pois a vida é como um teatro no qual você é chamado a representar vários papeis. Você veste a máscara de homem, de frade, de padre, de teólogo, de escritor, de conferencista, de antigo torcedor do Canto do Rio e depois do América e de não sei o que mais. Agora como velho você tem o direito e o privilégio de ser você mesmo e de livrar-se das máscaras.

Não é um momento fácil porque frequentemente nos identificamos com as máscaras. Mas quando desaparecem, irrompe você mesmo em sua identidade. Então surgem perguntas amedrontadoras: quem é você, finalmente? Que você realmente faz neste mundo? Quais são seus sonhos fundamentais? Que demônios o atromentam? Qual é o s eu lugar no desígnio do Mistério?

Neste momento, deixamos todos companheiros para trás. Estamos sós com a nossa solidão. E não dá mais para se esconder atrás de máscaras e de papeis. Ego factus sum quaestio magna diz Santo Agostinho:”eu me fiz para mim mesmo, a grande questão”.
A vida na velhice impõe esta exigência: que nos confrontemos, com temor e tremor, com as questões derradeiras e inadiáveis. É então que de fato podemos madurar, ganhar gravidade e terminar de nascer. É a chance de virarmos sábios.


É ilusão pensar que a sabedoria vem com os muitos anos da velhice. Ela não vem. É o espírito, é a coragem com a qual enfrentamos estas questões incontornáveis que nos pode fazer sábios. Então teremos concluído a tarefa de nossa vida. Saímos do palco.
Entramos no silêncio. Morremos. Se não carregados de dias pelo menos, carregados de experiência, quem sabe, de sabedoria.
Pois cheguei a esta derradeira fase da vida. Não chegaram meu pai que morreu com 54 anos, nem minha mãe que faleceu com 64, nem minha queridíssima irmã Cláudia que se transfigurou aos 33 anos. Eu cheguei e isso é graça de Deus.
Por isso, para atender a estas questões, deverei tomar tempo, renunciar a tantas andanças, falar menos, meditar mais e levar avante a viagem mais longa da vida que é rumo ao próprio coração. E então preparar o Grande Encontro. Descer como Cristo até o coração do universo, lá onde o coração da pedra, o coração da flor, o coração de todo vivente, o coração do ser humano e o coração do universo é um só coração. Encontrar-se com Deus, o Coração dos corações, a Fonte originária de todo ser, de toda bondade, de todo amor, de toda ternura e de toda compaixão.
Se ser velho é poder vivenciar esse processo, então bem-vinda a velhice, bendita seja a velhice. Não é castigo mas graça sobre graça. Ela nos permite experimentar o que nos diz São Paulo:”Na medida em que definha o homem exterior, se rejuvenece o homem o interior”(2Cor 4,16).
Portanto, sou um velho rumo à Fonte da perene juventude que é Deus.

Sou um velho e cristão. Que me ensinou, em síntese, o Cristianismo? Muitas coisas, mas quero me ater ao essencial. O Cristianismo me fez ver que, no fundo, há somente dois mistérios: Deus e o mundo. Por que não existe o nada e sim Deus? Ele não conhece o ontem nem o amanhã. Só o agora. É a eternidade, o absoluto limite da razão. E quando me ponho a pensar quase enlouqueço. E o mundo. Por que ao lado de Deus existe o mundo? Que ele significa? Talvez o espelho no qual Deus mesmo quer se ver a si mesmo e permitindo que nós o vissimos também. Mas eles não estão separados por um abismo.

Este é o equívoco do pensamento grego e nosso: Deus, o transcendente, e o mundo, o imanente. Na verdade, não é assim. Existe o transparente : um dentro do outro, um presente no outro formando um único grande Coração.
Imaginem a alegria de sabermos que não estamos apenas na palma da mão de Deus, mas no seu próprio coração. E esse Deus é comunhão e não solidão. Ele é feito de relações eternas entre as três divinas Pessoas. Não é sem razão que o mundo todo, como nos dizem os físicos quânticos e os modernos cosmologos, também é feito de relações e nada existe fora da relação Porque Mundo e Deus são afins, um é imagem e semelhante do outro. Para que isso fosse realmente verdade, Deus mesmo veio até nós e se fez humano. Então podemos dizer: “nossos ouvidos o ouviram, nossos olhos o viram, nossas mãos o apalparam e nosso coração o sentiu”(cf. 1Jo 1,1).

Esse Deus é tão humano que é divino (Fernando Pessoa). Ele quis caminhar, se alegrar, sofrer, viver e morrer conosco para que tivéssemos a absoluta certeza de que Deus nunca está longe de nós, longe de modo nenhum. Que nós somos de sua Casa.
E quando morrermos Ele vem e toma o que é seu e introduz para dentro de sua Família. Ele não quis fundar uma nova religião ou uma nova sinagoga que se chama Igreja, nem nomeou herdeiros, mas quis um homem novo e uma mulher novos. Deslanchou um sonho e um movimento que nos alcançam até os dias de hoje.
Portanto, esse Deus não é apenas Mistério sem nome. Ele é vida, comunhão e amor. E se Ele é amor, comunhão e vida, signfica então que para Ele importa que cegos vejam, coxos andem, surdos ouçam, famintos sejam saciados. Ele não fica indiferente face à paixão de seus filhos e filhas. Sofre com eles e sua ressurreição simboliza um insurreição contra a violação da vida destes últimos.

(...)

Leia na íntegra no site: http://www.leonardoboff.com.br/

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