"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Individuar-se e transformar o mundo

Adriana Tanese Nogueira



 
 
 
Não se individua quem não está em relação com o mundo,

mas quem se individua

opera sobre o mundo uma verdadeira transformação.

Carl Gustav Jung





Dizia Eistein que "não se pode resolver um problema no mesmo plano de consciência que o criou", significando que há de haver um salto de consciência, uma mudança, uma evolução para que o que é um problema aparentemente sem solução se apresente sob nova luz e portanto sob novas perspectivas. "Plano de consciência" quer dizer mentalidade, forma de ver, de entender-se, de interpretar e compreender a si e aos outros, ao mundo como um todo. Um plano de consciência é como o andar de um prédio. Evoluir é ir para o andar de cima e depois para o seguinte, e assim em diante. De cada andar se tem uma visão, quanto mais alto se vai mais coisas se enxergam. O que percebe a formiguinha que anda pelo tapete florido de sua sala? Será que ela vê o desenho das flores? Ou não será que entrevê vagamente grandes manchas confusas, sem forma e sem sentido?

Ao nascermos e crescermos num determinado ambiente somo como as formiguinhas caminhando sobre um tapete persa de desenho complexo e multicolorido que nada mais parece que um chão desordenado de cores e traços que não querem dizer nada de especial. Da mesma forma, no mundo interior estímulos e sensações se amontoam sem que saibamos dar razão deles, logos os declaramos "sem muito sentido". Pessoas de mente estreita julgam o que não compreendem como insensato ou inexistente, não passando por sua cabeça a possibilidade que falte a elas conhecimento e recursos suficientes para entender. A formiguinha que tem sua rotina sobre o tapete persa não vê o que está além de seu baixo nariz. Mas o mundo é maior. Há outros pontos de vista, superiores e mais amplos.

Individuar-se corresponde ao processo que uma pessoa enfrenta e realiza para ir escapando das grades pequenas que aprisionam sua visão, para elevar-se sempre mais alto e, diferentemente do olho físico que quanto mais longe estiver do objeto mais embaçado o verá, na individuação a elevação da superfície permite maior definição. Um sujeito individuado é um indivíduo em alta definição, ou seja alguém no qual nada mais resta do senso comum tradicional, papinha homogênea que aglutida e confunde as personalidades. Individuada é aquela pessoa que não é reflexo de estereótipos e modelos de comportamento, supostas "essências", repetição de tabus e preconceito, senso comum, slogans e etc. E também não é o contrário deles.

Muitos gostariam de mudar o mundo, todos gostariam de mudar suas vidas e o ambiente imediato que os rodeia. Mas como fazer isso estando no mesmo plano de consciência do que se quer mudar? Pode-se modificar a configuração dos móveis da casa, mas mudar de casa implica evoluir como pessoa. Com enorme frequência, tem-se uma vaga idéia, uma "sensação" do que está errado e se reage ao ambiente com base nesse input interno. Entretanto, essa tática meio-inconsciente não funciona ou então a mudança que proporciona é efêmera e transitória. Uma intuição vaga e um sentimento forte do que está errado não são minimamente suficientes para criar mudanças reais, pois é como acrescentar um temperinho exótico numa feijoada: vai perder-se no sabor denso do prato feito de cada dia.

A intuição e o sentir são as vanguardas do movimento de individuação, chegam para alertar, chamar a atenção, cutucar. Em seguida, deve haver o trabalho efetivo de tornar aquela intuição numa realidade interna própria, o que corresponde a uma mudança de governo interno, um reequilíbrio de poderes, um ajuste de prioridades, uma reflexão honesta sobre o que se pensa e faz, uma reelaboração da forma de relação e muito mais. Prestar atenção à intuição - que, segundo Einstein, é a coisa mais importante de todas - implica estar dispostos a uma revolução interna que leva a reavaliar todo um estilo de vida e uma identidade no mundo. Nesse processo, que é lento e profundo, uma pessoa vai de fato se tornando sempre mais ela mesma. Ela descobre que o que ela achava que era não passava de miragem, de fachada, de faz de conta para agradar, pertencer ao grupo, ser amada, ou por simples falta de opção, por inconsciência mesmo. Quanto mais prosseguir o processo de individuação, mais o que há de único no indivíduo se manifesta ao mesmo tempo em que ele se torna também mais universal, mais próximo, de alguma forma, do humano, do pano de fundo de todos nós.

Para mudar o mundo precisa ter algo para contribuir que seja mais do que uma variação no menu de cada dia. A transformação sobre o mundo é operada por aqueles que já a realizaram antes em si e, livres de estereótipos e compulsões internas, conscientes do quadro maior podem inserir-se na realidade de forma tão criadora quanto efetiva.
 
 

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