"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Por que esquecemos da infância

Adriana Tanese Nogueira


Um dos motivos que com certeza provocam o apagamento de grandes partes da infância é o estresse vivido naquela época. No conto de fada que os adultos gostam de tecer a respeito das crianças consta que a delas seria uma época dourada, sem preocupações, contas para pagar, tensões, trânsito e relacionamentos difíceis. Balufas.


As crianças podem sofrer muito, e muitas delas têm uma vida do cão (estou falando de crianças "normais" vindas de famílias normais).
O fato delas não terem a consciência e o conhecimento de um adulto só piora as coisas porque desta forma não podem dar nome ao que as machuca. Isto as confunde, as deixando ainda mais assustadas. Para contribuir à perplexidade da criança há o fato que a mesma pessoa que lhe dá amor, ou nutrimento e abrigo, pode ser aquela da qual mais se devem precaver.


Coloquemo-nos na posição de uma criança. Ela é impotente e dependente. Se é batida não pode revidar - coisa que geralmente um adulto faria, de uma forma ou de outra. Se é maltratada não pode ir embora- coisa que um adulto psicologicamente saudável faria. A criança vive à mercê dos adultos que dela cuidam. Pode ter a sorte de estar no meio de pessoas sensatas, honestas e conscientes… ou não. Neste caso, só lhe resta engolir e ir adiante. O que a norteia será o instinto de sobrevivência, ela fará o que for preciso para manter-se viva e pertencer a alguma coisa. Adaptar-se-á a qualquer situação se assim for preciso, pode se tornar burra, sonsa, malandra, indiferente, insensível, raivosa, mentirosa… Sua psicologia irá se moldando à situação. É tudo o que tem, precisamos lembrar que os pais são seu mundo.


Por que lembrar da dor? A tristeza da realidade, que o adulto acha que somente ele saboreia, é bem conhecida de muitas crianças. Que elas ainda saibam rir não é prova de que sejam felizes, mas da enorme força da vida que em seus pequenos corpos as sustentam. Chama-sem resiliência, a capacidade de superar, refazer-se, ir adiante. Mas, o acumulo gradativo e constante da mesma meleca todos os santos dias não tem como não deixar suas marcas na alma infantil.


Para lembrar dos fatos é preciso ter estado presente a si mesmo. Para estar presente a si mesmo é preciso ter tranquilidade de espírito, isto é: não sentir-se em perigo, em estado de alerta e com medo. A tranquilidade de espírito não quer dizer ter dinheiro no banco, casa bonita, quarto de grife cheio de brinquedos. Se trata de um estado interior de serenidade e presença. É a verdadeira paz (mesmo quando há problemas). O estresse, como bem sabemos, é a reação ao perigo. Muitas crianças, perfeitamente conscientes de sua fragilidade física, chegam a sentir-se em perigo de vida. Não tem como entender a raiva de um adulto frustrado, as crianças não tem como lidar com isso, nem prever até onde chegaria. O que importa se este adulto se chama “mãe” ou “pai” se são pessoas com comportamentos violentos, abruptos e irracionais? Ser crianças é muitas vezes viver sob imprevisíveis tiranos.


Lembremo-nos quando nossos neurônios estão disponíveis para impregnar-se dos fatos que vivenciamos: é quando a alma está sintonizada com o dentro e o fora, ao mesmo tempo. Isso é estar presentes. Se temos que calar o dentro porque o que está fora requer nosso estado de alerta já deixamos de viver, estamos sobrevivendo. E isso, não vale ser lembrado.

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