Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que bichos falavam...
Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haveriam de se tornar cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejavam dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam permissão de mandar nos outros.
Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em inicio de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamavam por vossa excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida.
A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás...os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
- "Onde estão os documentos dos seus concursos?" E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam, simplesmente...
- " Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem ".
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam de alvarás...
Moral: Em terra de urubus diplomados não se houve o canto de sabiá
Rubem Alves
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